30 de dez. de 2008

Sobre campos de tortura

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Leio, também no "O Globo", em 24/ 12, entrevista com Murat Kurnaz, cidadão alemão de origem turca preso durante cinco anos em Guantánamo, por suspeita de terrorismo. Sim, "suspeita", não-comprovada, que resultou em sua libertação, após batalhas legais diante dos EUA e da Alemanha, que havia se recusado a recebê-lo.

É uma pequena amostra do horror que se passa nas prisões ianques, antes, em Abu Ghraib, e ainda hoje, em Guantánamo (que, como se não bastasse, se dá mediante ocupação -ilegal, penso eu, à luz dos princípios elementares de Direito- de parte do território soberano de Cuba). Na pequena entrevista, Kurnaz diz o que não é surpresa: os americanos torturam, compram prisioneiros de mercenários, mantém crianças presas. Todos sob suspeita de terrorismo- sem acusações formais, sem contraditório e ampla defesa, enfim, detenções ao arrepio dos princípios jurídicos mais basilares de qualquer civilização moderna. Mais do que isso: os americanos torturam, inclusive as crianças- de 9, 12 anos.

23 de dez. de 2008

Ditaduras e imunidades parlamentares

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Sai no "O Globo" de 08/ 12 matéria, de uma série, sobre os 40 anos do AI-5. Não falarei sobre o conluio do "O Globo" com o governo dos militares- quero me limitar a uma questão jurídica, tratada nessa matéria especificamente.

O texto trata do endosso, em tese, do STF, na figura do ministro Aliomar Baleeiro (que cito numa postagem anterior), à cassação de deputados discordantes do regime ao, num caso concreto, entender pela possibilidade de representação contra deputado que "abusasse dos direitos políticos", conforme o art. 151 da Constituição de 67. Tal se deu porque Márcio Moreira Alves havia, anteriormente, proferido na Câmara discursos virulentos contra as Forças Armadas. Ao entender possível a representação contra o deputado, o ministro afastou a aplicação do art. 34 da mesma Constituição, que dispunha que "os Deputados e Senadores são invioláveis no exercício de mandato, por suas opiniões, palavras e votos", dando assim carta branca aos militares para que se iniciasse a caça às bruxas. Pouco depois veio o AI-5, cujos resultados todos conhecem.

5 de dez. de 2008

Imitando Ikyyu

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Indo para o trabalho, desenrolo os fios do tocador de MP3. Posiciono os fones no ouvido e, sob o sol, reparo que o aparelho não liga: acabaram-se as pilhas. Silêncio. Nada de música. Frustração? "Bobagem", pensei, "quanto não canta o aparelho, canto eu". E pus-me a cantarolar mentalmente.

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A história, de Ikyyu (monge zen), é a seguinte. Reproduzo-a do "Textos budistas e zen-budistas", de Ricardo Gonçalves, ed. Cultrix:

23 de set. de 2008

Versos de biblioteca

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Enquanto esperamos os livros, vem um certo tédio. A ansiedade pelo estudo, de um lado, e a monotonia da espera, de outro. Daí, aproveitando o silêncio, é possível que a musa cante despretensiosamente:

Silêncio
Zumbido chiado ar-condicionado
Vento que entra
Mulata ao lado
Que desconcerta
O Aliomar Baleeiro
Que fica
De lado.

14 de set. de 2008

A cidade e o fim de semana

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Sábado à noite
Saio pela porta e passo a chave. A rua está escura: o poste está queimado. Aquela semi-escuridão, pontilhada pelas luzes das casas e faróis que passam, dá à rua a aparência de um conto de fadas. A rua Paula Mattos, em Santa Tereza, esta noite tem um ar de vila do Senhor dos Anéis.

Domingo de manhã
Leio em determinado jornal (daqueles de direita, mas qual não é, meu Deus?) simpática crônica de um artista angolano sobre o bairro das Laranjeiras. Fala da Rua Alice, da General Glicério, da Rua das Laranjeiras...E só. Ora, qualquer crônica sobre Laranjeiras, que não cite o Fluminense Football Club...É defeituosa, falha, incompleta.

11 de set. de 2008

Índios e revoluções

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Alguns meses atrás, em entrevista à Carta Capital, Evo Morales, ao falar de seus adversários políticos, dizia que "eles não toleram que um índio faça a revolução social". Eles, isto é, a direita boliviana americanizada. Hoje, quando já morreram oito pessoas em confrontos e o embaixador ianque foi devidamente expulso, quando a Bolívia está prestes a entrar em guerra civil, nós vemos até onde eles chegaram para impedir a revolução social.

Os ingênuos, ou cínicos, não percebem (ou fingem não perceber, no caso desses últimos) que há no mundo, em geral, e no continente, em especial, algo como uma força maléfica, sobrenatural, que irá se erguer a qualquer sinal de mudança. A força maléfica não admite progresso; não admite emancipação; não admite que se erga sobre os pés e que se caminhe livremente. Fará tudo, ao contrário, para manter o status quo, a dominação, o preconceito, a alienação.

12 de ago. de 2008

O Artista do Povo

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Uma coisa interessante em Dmitri Shostakovitch (1906- 1975) -e que serve para desconcertar os reacionários- é o fato de ter, até o final da vida, se mantido junto do Estado soviético. Poderia ter fugido; poderia ter desertado e ido fazer fortuna no Ocidente- oportunidades para isso teve, afinal. Mas Shostakovitch tomou outro rumo.

Naturalmente, após a fase áurea de Lunatcharsky, as artes soviéticas entraram em um momento delicado, não tendo sido o cenário ideal para um artista. Independentemente de causas ou explicações, seria hipocrisia negar isso. Maiakovsky também foi dos que se ressentiram disso, e a censura sobre a atividade artística em voga pode ter sido um dos elementos a mais em sua opção pelo suicídio (Maiakovsky se matou por amor, sabemos, mas claro que as críticas que pululavam -"Maiakovsky é incompreensível para as massas!"- tinham o condão de fragilizar ainda mais uma personalidade deprimida).

17 de jun. de 2008

Direito e transformação social

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Eros Grau¹ toca em um ponto importante: a superestrutura também influi na base. Dessa forma, "o Direito é produzido pela estrutura econômica mas, também, interagindo em relação a ela, nela produz alterações". O mesmo ponto -que parece pacífico- encontramos em Konstantinov, cit. p. Sodré²: "Ao assinalar e demonstrar que as formas e relações ideológicas refletem as relações materiais, econômicas, e pôr a nu a função determinante da base em relação à superestrutura, o materialismo histórico não nega que esta última desempenha função ativa e influi, por sua vez, sobre a própria base. E não só não o nega, mas exige, necessariamente, que se leve em conta a ação mútua entre a base e a superestrutura, no processo de desenvolvimento social".

11 de abr. de 2008

Eficiência e Legalidade: o equilíbrio de valores

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Só um rascunho, por ora. O tema é interessante, merece ser trabalhado.


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Modernamente, superada a fase do positivismo mais rigoroso, a tendência na Ciência do Direito é dar aos comandos normativos maior relativização, priorizando mais seu aspecto finalístico- teleológico e menos a ótica formalista. Assim, por exemplo, quando se fala em Administração Pública, há entendimento de que a Legalidade deve ser atenuada em prol da Eficiência (o mais noviço dos princípios administrativos, incluído posteriormente no caput do art. 37 da Carta)), sempre que aquela, tomada no aspecto formal mais rigoroso, servir de entrave para esta. É despiciendo dizer, todavia, que tal relativização da Legalidade em função da Eficiência da norma deve ser feita com extrema cautela e prudência- sob pena de ilegalidade na conduta do aplicador da lei.

31 de mar. de 2008

Sobre ópios e fermentos

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Muito se fala da vida ser um rosário de dores, um longo vale de sofrimento e lágrimas do qual nada se deve esperar. Fala-se em absurdo (a expressão é existencialista), na náusea da existência; e é possível que assim seja, mas, como já perguntava Maiakovsky, por que aumentar o rol de suicidas?

Não quero parecer aqui um escritor de auto-ajuda. Mas, se há os sofredores, é preciso amainar seus sofrimentos, como dever humanista. Não falo aqui do sofrimento material, expressão da luta de classes- falo daquele que nem a sociedade igualitária e libertária do comunismo futuro pode sanar (não caiamos no obscurantismo de outrora, quando se pensou que o marxismo seria a panacéia da condição humana). Não há panacéias. O câncer do tempo está nos comendo, diz Henry Miller¹. O comunismo futuro será um passo à frente na evolução humana, a superação de antigas contradições, o fim das alienações, ou seja, será uma sociedade qualitativamente superior; mas o homem, com suas constantes limitações, seguirá ad eternum imperfeitamente humano, demasiadamente humano.