30 de out. de 2010

De prostituição, pais e filhos- e advocacia

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Chamar alguém de "prostituto" é muito sério. Tradicionalmente é um dos adjetivos mais degradantes, principalmente quando se refere às mulheres. A prostituição tem uma pecha social muito forte: no Nordeste é dito que o medo dos pais é o de que seja homossexual o filho e piranha a filha (o medo não é, portanto, de que sejam viciados, criminosos, hipócritas ou vis: e sim de que disponham do próprio corpo como bem quiserem, o que deveria ser um direito inalienável do ser humano). A prostituta está tão entranhada no inconsciente da cultura judaico-cristã, que tradições ocultistas a associam à Sofia ("sabedoria"), prostituta e santa, e lembremos também da discípula direta, Madalena. Penso eu que o tabu da prostituta tem raiz longínqua, no surgimento da sociedade de classes, quando a mulher, assim como o bem, tornou-se propriedade privada. Nesse sentido, a prostituta, que não é propriedade de ninguém, simbolicamente é uma revolucionária; mas é uma vítima, por outro lado, quando é prostituta por falta de condições objetivas que lhe permitissem optar por outros rumos de vida, ou quando essa mesma cultura judaico-cristã a maltrata, a espezinha, a violenta -em mais de um sentido- por essa opção (ou falta de).

Mas não é sobre prostituição que quero falar. O que eu ia dizendo é que acusar alguém de se prostituir é uma ofensa grave. Que dizer quando isso é falado do próprio filho? Pois isso foi dito em plena Vara de Família: ao se levantar ao término da audiência, o pai -sujeito asqueroso até na aparência- resmungou com seu advogado, alto o suficiente para que todos na sala ouvissem: "-Até quando vamos cafetinar o garoto?". Quem tem cafetão é prostituta. Ao ser condenado (provisoriamente) a pagar alimentos ao filho (meu cliente), maior de idade -mas ainda cursando faculdade- o pai se colocava como cafetão, e o rebento, por dedução lógica, como garoto de programa. Era uma afronta: que eu, como advogado, tomei para mim.

22 de out. de 2010

O advogado e o bombeiro

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Ele entra, sorridente, um sorriso carismático de gente simpática. Negro, alto e magro, bem magro. E começa a me contar o problema: faz parte das minhas matérias favoritas, concurso público, um dos assuntos clássicos para um juspublicista como eu. Bombeiro! Ele quer ser bombeiro, mas uma flagrante ilegalidade no edital impede isso. Penso cá comigo, enquanto ouço ele narrar o problema, que o Estado deveria ser obrigado a aceitar todos interessados em ser, não apenas bombeiros, mas médicos, professores, construtores, cientistas, jardineiros, carpinteiros, pedreiros- todos, todos que tenham algo a acrescentar, algo a somar, deveriam ser obrigatoriamente aceitos pelo Estado. Mas não é o caso: meu cliente quer ser bombeiro, mas um edital perverso impede isso.

O assunto é de fácil solução, penso comigo. Mas não digo isso a ele: é preciso valorizar a profissão. Faço umas ponderações, explico superficialmente os meandros jurídicos envolvidos, acerto os honorários -módicos, não sou careiro- e eis-me logo em seguida debruçado sobre a causa. Há urgência: a data pro concurso se aproxima. Quanto tempo, Dr. Joycemar, para obter a liminar no mandado de segurança? Oh, nem uma semana? Coisa corriqueira na Advocacia: às vezes 24 horas decidem tudo. Entrei com a ação. Apesar de sua flagrante ilegalidade, a Administração resistiu obstinadamente: até agravo de instrumento houve. Mas em vão, ganhei tudo. Até que o bom senso imperou (ou as ações começaram a pulular), e o próprio Estado republicou o edital, eliminando o requisito ilegal.

15 de out. de 2010

Maiakovsky e os trolls

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Há um tipo de artista -os polêmicos, os instigantes, os desafiadores- que atrai, como um ímã, as mais diversas espécies de pessoas, pro bem e pro mal. E justamente por serem polêmicos, instigantes, desafiadores. É natural: os chatos e os medíocres (i.e., medianos) não costumam ter muita audiência, quando muito tão chata quanto eles. O polêmico tem ibope mais alto, o que não quer dizer necessariamente que tenha mais qualidade. Muitas vezes a (falsa) polêmica é exatamente a arma do medíocre para aparecer, para ganhar a mídia e o mercado. Quem é bom -na área que for- não precisa disso. Aparece naturalmente, a polêmica que desperta, as reações -contra e a favor- vêm naturalmente. Pendurar melancia no pescoço é para os fracos.

Quando desperta a atenção (com qualidade, portanto), o indivíduo traz junto...a inveja. Vem no pacote. O medíocre, o que precisa da melancia no pescoço, vai justamente invejar quem não necessita de nada disso: e dá-lhe perseguição, críticas destrutivas, ou, como se fala aqui na web, trollagem. Isto é, a saudável prática de aporrinhar sistematicamente alguém.

8 de out. de 2010

Umbanda

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Estamos no quarto. É penumbra, o que acrescenta carga dramática à cena. Conto a ela o encontro com a Entidade, e naturalmente estou emocionado. Não sei dizer até que ponto acredito; não sei dizer o tanto que, de toda cantiga e de toda vela, de todo atabaque e de toda defumação, era real ou não. Não sei dizer se aquilo que se desenrolou diante dos meus olhos era fato ou mistificado. Não é difícil ser enganado: mas como quer que seja a Entidade estava lá, na minha frente, e me olhava fixo.

O cambono -o nome dado aos ajudantes do terreiro- chamou meu número, e me dirigi ao congá. O primeiro contato com a espiritualidade, o primeiro contato com o lado de lá. Direto, cara a cara, ao contrário do Kardecismo. E o Kardecismo não era nada perto daquilo. Kardec, com os eruditos textos doutrinários e palestrantes suaves de fala difícil, pouco tinha a ver com os gemidos, os urros, os cânticos. As velas e as estátuas me tocavam muito mais o coração. Quem vem de Kardec pouco está preparado para isso, para o caldeirão místico que irradia, qual lâmpada, do congá. Aqui os médiuns giravam, literalmente giravam. E aquela senhora, tão frágil e alquebrada, com Ogum (Megê? Rompe-mato? Iara?) dentro dela era como alguém possuído. Podia derrubar qualquer homem naquela sala, tamanha força emanava, principalmente brandindo a espada-de-são-jorge que, ao contato com os "obsediados", murchava- impressionante. Vi isso.

1 de out. de 2010

Falando de blogs

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Tenho mantido a média de uma postagem por semana, sempre que der vontade às sextas, nos últimos tempos. Além de permitir uma escrita mais "relaxada" (a pressa é inimiga da perfeição), gosto de pensar no leitor do blog, à vontade em casa, aproveitando o fim de semana para boas leituras. Do blog, inclusive. A sexta-feira para mim, aliás, me remete a relaxamento, a sensação de dever cumprido: passou a semana com seus desafios, agora é relaxar e restaurar baterias. E nada melhor para isso que ler alguma coisa interessante (na medida em que este blog seja interessante).

O tipo de assunto tratado no Elogio da Dialética favorece essa periodicidade maior. Falamos aqui em política e cultura em geral (como coloquei no singelo banner que criei, e disponibilizei na sidebar), de forma "atemporal", sem compromissos com "bombas midiáticas". Não é um blog descartável. Trotsky e Henry Miller, Marx e Bob Marley, são atuais desde sempre, o que não quer dizer que não falemos de atualidades (há a tag "atualidades", bem grandinha já, aliás, de tantos posts relacionados) mas até essas atualidades têm sua cor "permanente", trazem um pano de fundo "permanente".