21 de dez. de 2009

Dois equívocos ao se analisar os fatos

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É muito comum nos depararmos com marxistas que, não obstante tanto falarem (corretamente) em estudo, em ciência, em dialética, esquecem uma premissa elementar do pensamento científico: ao se estudar um fato, deve-se partir de uma posição neutra diante desse fato estudado. Afinal, se quer verificar um FATO- ou o fato ocorreu ou não ocorreu, não há "meio-fato". E, se ocorreu (ou não ocorreu), ocorreu (ou não ocorreu) independentemente da vontade ou da fé.

Os companheiros que cito, partem, ao contrário, da premissa de que dado fato é mentira porque veio de fontes burguesas.

Há dois equívocos aí.

O primeiro é objetivo: esquece-se que não há conhecimento que não esteja vinculado a relações de base. Como produção cultural, portanto superestrutura, há inflexões materiais que sempre irão incidir. Isso é inevitável, "a história de toda a sociedade até aqui é a história de lutas de classes" (Manifesto). Não há ciência que não esteja situada no pano de fundo material. Desprezar, refutar a ciência, porque veio da burguesia, é ser idealista, porque se estaria querendo ciência que, num sistema de produção capitalista, não fosse afetada por esse sistema. Idealismo hegeliano e não materialismo marxista.

8 de dez. de 2009

Trotsky Futebol Clube

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Nos fóruns de debate da vida, a distensão Trotsky x Stálin é sempre tratada de forma antimarxista, isto é, subjetivamente. Trotsky, coitado, é odiado- perguntem o porquê, não sabem responder. Ou utilizam chavões, rótulos e deturpações, muito ao gosto do "Guia Genial dos Povos". Segue abaixo uma desinteressada defesa da História, logo, de Trotsky. A parte inicial, sobre "avatares de Stálin", remete a um debate no Orkut, nada que interfira na compreensão do post.

*

Usando uma metáfora futebolística.

Suponhamos que alguém ingressasse, nesta comunidade, com um avatar do FLUMINENSE, e abrisse um tópico sobre a, digamos, canalhice do FLAMENGO. Isto é, o autor do tópico lera um tópico de um autor TRICOLOR, que ataca o FLAMENGO, e vem aqui postar como se fosse a verdade absoluta. Ou, de outra mão, um autor FLAMENGUISTA, ao ler um livro contra o FLUMINENSE, vem atacá-lo aqui na comunidade.

17 de nov. de 2009

Arte para todos (com ou sem piratas)

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Há pouco tempo fiz uma postagem defendendo o trabalhador informal da repressão fascista da Guarda Municipal de Eduardo Paes (que tem em seu governo o Partido Comunista -sic- do Brasil, mas isso é mero detalhe, aos conciliadores -ou oportunistas- já dediquei os seguintes versos). Usei como símbolo, como arquétipo de camelô perseguido, o vendedor de CDs piratas. Porque música é uma das coisas mais belas da vida. Inclusive na postagem identifico a música com a própria "alegria", simbolicamente falando.

Uma companheira trouxe um viés crítico: o produto comercializado pelo camelô tem origem criminosa. Indiretamente, o camelô faz parte de uma cadeia criminosa.

3 de nov. de 2009

Da ditadura da grande mídia

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Há sempre uma voz lúcida a lembrar que "liberdade de imprensa" não se confunde com "liberdade dos donos da imprensa". Quando fiz uma abordagem jurídica sobre a queda do diploma de jornalista, citei a fala do constitucionalista José Afonso da Silva: "a liberdade de informação não é simplesmente a liberdade do dono da empresa jornalística ou do jornalista", pois, ao lado do direito de informação, há o dever social das empresas de passar essa informação de forma imparcial e qualitativa.

Não sou ingênuo a ponto de acreditar em imprensa neutra. Não existe neutralidade, o que é perfeitamente humano, principalmente em uma sociedade de classes. Sendo os interesses econômicos o motor da História, como ensinou Marx, a imprensa não fica imune a essa condicionante. Mas, não sendo possível a neutralidade absoluta, que ao menos a parcialidade não fosse tão evidente.

Isto é: se não se pode ser imparcial, ao menos finja sê-lo.

26 de out. de 2009

O lar que ninguém cuida

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Não é preciso que alguém nos mande cuidar de nossa casa. É uma preocupação natural: nosso teto, nossas coisas, tudo isso desperta nossa atenção e velamos por elas. Curioso é que esse cuidado evidente desapareça em escala macro. Afinal, o planeta Terra nada mais é -sem pieguismo- que o gigantesco lar da humanidade e, como lar que é, faz jus ao devido cuidado. O mesmo cuidado que temos para com nossos tetos do cotidiano.

Já falei disso em outra postagem: o incremento da técnica trouxe consigo o dano ao meio ambiente. A luta pela sobrevivência leva necessariamente à atuação sobre o mundo, em escala progressiva conforme o ser humano se desenvolva. Mas o que era necessário no passado, se converte em supérfluo hoje- se a luta era por sobrevivência, há muito o lucro como meta é o que dirige a depredação.

14 de out. de 2009

O paradoxo

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É um paradoxo: quanto mais informação temos à disposição, menos a aproveitamos. É um truísmo dizer que a internet revolucionou o conhecimento humano. Lança-se no google "sufismo", "Silvestre de Sacy", "direito romano", "Isaac Asimov", "Byron" etc. etc. etc., e pronto: tudo na tela. De forma rápida, limpa, sem ocupação de espaço físico. Sem necessidade de ida a bibliotecas, de gastos com livros. Tudo gratuito.

Pois bem, é uma revolução. O que surpreende é que essa revolução seja parcamente aproveitada. Nesta postagem eu já havia me referido à, citando José Saramago, inexorável caminhada do homem rumo ao grunhido, conforme vá perdendo a capacidade de comunicação. Saramago fala do twitter (com seus 140 caracteres), mas é toda uma tendência atual: a era do resumo, do sintético. O conhecimento está todo aí, ao toque de botão: mas quem o desfruta? Quem lê? Sendo que, claro, não basta ler, é preciso processar criticamente o que foi lido. Os seguintes textos estão relacionados com o assunto: Usuários da web desaprenderam a ler e O futuro dos blogs e os analfabetos virtuais.

2 de out. de 2009

Demagogia e papel picado

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Centro da Cidade. Saio do escritório para almoçar e ouço, ainda no saguão no edifício, os gritos na rua. Começa a chover papel picado. Um sujeito do outro lado da calçada, fazendo graça com os amigos, começa a gritar "vamos comer as norueguesas" ou outro besteirol do tipo. Gritinhos histéricos em toda parte, pessoas aglomeradas em frente às televisões.

Isso tudo porque o Rio de Janeiro será a sede das Olimpíadas de 2016.

Pena. Não me parece motivo de festa.

A cidade que festeja a "honra" é governada por Eduardo Paes, que tem implementado sua política neoliberal de desmanche da coisa pública (começando pela educação). O prefeito do "choque de ordem", o da continuidade da perseguição sistemática contra os trabalhadores informais. Que promete uma coisa e desfaz o que prometeu, como se vê no Nassif.

28 de set. de 2009

A verdadeira pátria

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Quando gravou "A foreign sound", Caetano Veloso disse que o cancioneiro estadunidense é o melhor do mundo. Fiquei decepcionado com a declaração. Foi um despautério, um absurdo- inclusive em relação à sua própria obra. É o eterno complexo de vira-latas do brasileiro. Razão tem Jorge Aragão, quando diz que "sabemos agora/ nem tudo que é bom vem de fora".

Não sou patriota, muito menos ufanista. Sou internacionalista, dentro de minha opção política. Penso como H. G. Wells (foto): "nossa verdadeira pátria é a humanidade".

Agora, temos naturalmente uma afinidade, uma ligação especial, com este solo: foi aqui que nascemos, aqui que temos raízes. Essa ligação faz com que optemos, em muitas situações, por aquilo que é nosso, mesmo que o nosso não seja em verdade superior ao deles. Mas preferimos, porque é nosso. Nosso vinho é amargo mas é nosso vinho, disse um poeta cubano. Por ser nosso, apesar dos pesares, é-nos preferível a qualquer outro. E não há mal nenhum nisso.

20 de set. de 2009

A chicotada na mesmice

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Leio sobre Claude Debussy: ao compor uma cantata, teve a obra execrada no meio musical, que lhe apontou vários defeitos. Isso levou o compositor a dizer: "Por fim escrevi algo original!".

O original é tomado por "errado", por "imperfeito", pelo mundo acadêmico, o mundo "oficial". Não é só Debussy, não é só a música que passa por isso: todo inovador recebe a pecha de "não presta" por parte das "autoridades" da matéria.

As autoridades são reacionárias. Cheiram a passado. O papel da arte deve ser a ruptura, justamente, com o passado. Maiakovsky, no poema "Verlaine e Cézanne", ao dialogar com o pintor, diz

16 de set. de 2009

Um conselho (e talento se constrói?)

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-Que conselho dá aos jovens escritores?
-Bebam, fodam e fumem muitos cigarros.

-E para os velhos escritores?
-Se o cara continua vivo, não precisa de meus conselhos.

(Charles Bukoswki, foto, "Numa fria")

*

Tanto Henry Miller quanto Van Gogh batem na tecla: quem quer ser artista (escritor, no caso de um, pintor, no de outro) deve sê-lo, sem mais. E mostraram isso na prática. Miller por exemplo diz que havia um tempo em que ele pensava ser artista; agora, já não pensa, é, e isso em um momento de profundo desespero e fracasso profissional (o fundo do poço retratado no "Trópico de Câncer"). Mas ele é artista, isso que importa, mesmo que o mundo diga contra. Também Van Gogh nos mostra, em suas "Cartas", sua luta para melhorar, sua insistência. O resultado já sabemos.

11 de set. de 2009

Fotos suas

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Tenho um lado gótico. Atrai-me a temática chuvosa, nebulosa, sombria da vida. Não que eu seja depressivo (apesar de ter, naturalmente, meus momentos): gosto da estética, não do ser. A forma, e não a essência. É uma paixão às vezes incompreendida. Por exemplo, tempos atrás, no orkut, coloquei um retrato daquele outro sombrio, Baudelaire, com os célebres versos "Gloire et louange à toi, Satan, dans les hauteurs/ Du Ciel, où tu régnas, et dans les profondeurs/ De l'Enfer, où, vaincu, tu rêves en silence!/ (...)". Vieram me perguntar se eu era satanista...

Bem, o lado gótico da vida é extremamente rico- e poético. Não por acaso já falei aqui de meu contágio por Augusto dos Anjos, outro dos poetas malditos, que como ninguém soube retratar o aspecto down do cotidiano. Os românticos e os simbolistas (além de Augusto, que não era de escola alguma, "isso de escola é coisa pra medíocres", disse falando dele Órris Soares) são pura poesia gótica, depressiva, mística, sombria.

8 de set. de 2009

O pop não poupa ninguém

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Tenho o fetiche da "primeira vez": acho que aquilo que inaugura tende a marcar pra sempre. Vale pra tudo, primeiro beijo, primeira mulher, livros, contatos sociais ("a primeira impressão é a que fica!") e, obviamente, discos. Milhares de experiências se passarão, sempre haverá, forte na memória, a primeira. Sou com orgulho um saudosista.

Aí do lado está a capa de "O papa é pop", de 1991, meu primeiro contato com a música. Antes eu já ouvia, claro. Lembro com saudades (olha o saudosismo aí) das canções dos anos 80, o chamado BRock, que em pleno século XXI é até hoje insuperável. Mas é diferente. Os anos 80 estão em mim, de modo indelével, mas me atingem de forma quase inconsciente, vaga, onírica. Nasci em 78, afinal de contas. São músicas que acompanharam a infância e, se hoje lembramos com carinho, na própria infância não se esquenta muito com isso.

7 de set. de 2009

Paulo Leminski

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Abaixo, meus poemas favoritos de Paulo Leminski (1944- 1989):

*

Mandei a palavra rimar,
ela não me obedeceu.
Falou em mar, em céu, em rosa,
em grego, em silêncio, em prosa.
Parecia fora de si,
a sílaba silenciosa.

Mandei a frase sonhar,
e ela se foi num labirinto.
Fazer poesia, eu sinto, apenas isso.
Dar ordens a um exército,
para conquistar um império extinto.


2 de set. de 2009

Conciliadores? Abaixo!

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Os versos abaixo são versos de tempos de lulismo, de Sarney e Collor. Escrevi rapidamente; não é preciso muita inspiração para bater nos conciliadores.

Os versos atacam os comunistas conciliadores. Lula não é comunista, claro. Mas há comunistas (!) que apóiam Lula, contra toda evidência, contra toda teoria e contra toda práxis. Mas 8 anos de Lula fizeram um favor para a esquerda, a verdadeira esquerda- separou joio do trigo, deixou claro quem é quem.

27 de ago. de 2009

O "não-querer" é contrarrevolucionário

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É dito que a felicidade é a coincidência entre o que se VIVE e o que se DESEJA. O que se vive é objetivo; não se pode mudá-lo pela força de vontade (falamos disso em Base e superestrutura. E Chopin). Mas a sua identidade com aquilo que queremos é, se não impossível, raro. Como evitar a infelicidade, então, já que não podemos mudar a realidade objetiva? A solução seria não desejar. A saída budista, que vê no "apego" a raiz do sofrimento.

O que pega aí é que, penso eu, sem DESEJO, o mundo não avança.

Já falamos: o problema material deve encontrar uma solução material. Mas é o impulso, vale dizer, a vontade de homens conscientes que criará a solução. O "não-querer" é a inação. O universo não é estático- avança, avança, quando pára de andar é porque morreu, como diz Engels no "Anti-Dühring".

20 de ago. de 2009

Começando do começo

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Se alguém me perguntar como conhecer o marxismo, no tipo básico do básico, eu sugeriria o Manifesto Comunista, antes de tudo. Depois, uns livrinhos bem palatáveis, como, por exemplo, dois de Leandro Konder que me vêm à cabeça: "O que é dialética" e "Marx- vida e obra", cuja capa é a imagem deste post. Nada complicado, nada que entedie. Mais que ao acadêmico, é preciso falar com o militante, com o interessado nesse engajamento.

Insisto, é preciso começar pelo início, por Marx. Não cometam o equívoco de se doutrinarem com os pós-modernos, os reformistas, os revisionistas das mil e uma teses de adaptação. Isso de início destruiria o militante. Primeiro ir à fonte e, conforme se avance, conforme se tenha interesse, aí sim enveredar pelas heterodoxias. Vai que o sujeito é mesmo um heterodoxo e se sinta melhor assim- o que é um direito inalienável.

16 de ago. de 2009

Cartas, emails - e Lukács

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Também as cartas de Maiakovsky a Lília Brik emocionam; na verdade, quaisquer cartas emocionam, pois não é possível adentrar a intimidade alheia sem que se identifique com o remetente. Partilhamos assim das mesmas dores, sensações, angústias em um exercício, é preciso dizer, de pura indiscrição. Mas uma indiscrição comovente, doce, e ei-nos íntimos do devassado.

Hoje em dia é email. Será que os emails trocados -tantos anseios- são guardados, conservados, para publicação post mortem? Arquivos e mais arquivos desnudados aos olhos do público, a quem interessar possa. O triste é que email não tenha um pingo da densidade dramática de uma carta do passado. À base do "pq vc naum" assassinamos a língua e, de forma telegráfica, levamos adiante os sentimentos estropiados. Saramago, que tem um blog, ao falar do twitter (que permite mensagens de até 140 toques), lembrou que o ser humano caminha para o monossílabo, e que, de "degrau em degrau, caminhamos para o grunhido".

10 de ago. de 2009

Kafka e Battisti

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Celso Lungaretti, aqui, lembra o caso Battisti e aponta o arbítrio de uma Corte (?) que insiste em manter, como prisioneiro, um refugiado político. Eu já havia feito, logo após a concessão do status de refugiado (uma impropriedade, pois o termo seria "asilado", por se tratar de perseguição individual e não coletiva) político pelo Ministério da Justiça, um rápido estudo sobre o tema, no qual fica claro -e vi pela reação de várias pessoas que o leram- que o asilo (ou refúgio) foi corretamente concedido, sendo um ato soberano do país asilante. Para citarmos opiniões mais abalizadas, temos José Afonso da Silva, em parecer solicitado pela OAB federal, e a moção do Instituto dos Advogados Brasileiros, em sessão do dia 04/ 03/ 09, apoiando a decisão do governo brasileiro. Opiniões mais valiosas no tema tratado, portanto, que as de Paulo Henrique Amorim, que considera Battisti um "meliante comum", como se vê aqui.

7 de ago. de 2009

Base e superestrutura. E Chopin.

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Quero dizer: o Espírito fortalecido (através das Artes, da Religião, da Filosofia) suporta melhor as atribulações materiais, mas sem ser capaz de superá-las. O espírito não vence a matéria. Afinal, um problema material deve encontrar uma solução material, ou, como diz Marx ("Introdução à Crítica...") o poder material deve ser deposto pelo poder material. A superestrutura (Artes, Religão etc. etc.) apenas alimenta- serve como analgésico, um paliativo, enfim.

Não é muito- mas como a vida seria insuportável sem esse pequeno remédio! É justamente a superestrutura que permite à vida ser suportável. Sem o "torpor" da superestrutura, como seria árduo.

Não quero dizer com isso que devamos nos alienar. Alienação (alheamento) é a não-identificação com o mundo. Nós, ao contrário, conhecemos o mundo, sabemos onde pisamos, ou, ao menos, combatemos (tentamos combater) essa tendência. Apenas reconhecemos na superestrutura esse caráter suavizante. E felizmente ela o tem.

3 de ago. de 2009

Sobre talentos cerceados

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O dilema de Van Gogh, o de querer mas não poder, ou ao menos de ter dificuldades inenarráveis em conseguir o que se quer, está basicamente na postagem Capitalismo e a morte de Mozart. Portanto, onde se lê morte de Mozart, leia-se também morte de Van Gogh.

O mundo é muito feio. Ser bonito, aqui, é raro, é exceção- "esse mundo não faz sentido para alguém belo como você", diz a música de Don McLean para o mesmo Vincent (também já tratei disso aqui), de modo que o suicídio não se faz assim tão absurdo.

O dilema posto diante de Vincent é: ser ou não? Quando você ouve em seu íntimo que você não é pintor, é AÍ SIM que deve começar a pintar com mais afinco- escreve a seu irmão Théo. Há que ser artista, independente de tudo, tudo mesmo, ao redor ou no interior. Há que ser artista. Mas não é só o dilema pessoal, são as próprias condições do mundo que o cerca. Mas disso já tratei, me reporto à morte de Mozart (ou de Van Gogh) acima.

30 de jul. de 2009

Marxismo e Religião

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Na "Introdução à Crítica da Filosofica do Direito de Hegel", Marx diz: "A crítica da religião é a premissa de toda crítica". "A religião não faz o homem, mas, ao contrário, o homem faz a religião". A religião é a "teoria geral deste mundo", de modo que a "luta contra a religião é, indiretamente, a luta contra aquele mundo que tem na religião seu aroma espiritual".

Entendo que uma leitura reducionista leva essa "luta contra religião" ao pé da letra, como se religião fosse NECESSARIAMENTE deletéria. Religião é superestrutura, sabemos; a questão que surge é, portanto, saber se a superestrutura tem caráter independente da base.

Dizer que a religião é "má" é dar à superestrutura, assim, uma natureza "imutável", o que seria justamente uma postura IDEALISTA e não MATERIALISTA DIALÉTICA.

19 de jul. de 2009

O camelô, a Guarda e a arte que foge

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O camelô vende alegria. Não é exagero dizer isso: o que é música, o que são doces, senão alegria? Filmes também são alegria. Não há arte -se for mesmo arte- que não traga alegria. Vender arte é por conseguinte vender alegria. E não importa se essa alegria não é "legalizada". Por acaso é possível regular a alegria? Arte é território isento de normas; uma vez nascida do espírito, voa livre, e é impossível retê-la, cerceá-la, onerá-la. A internet prova isso.

Enquanto o camelô vende alegria, o guarda cassa a alegria. Diz que faz isso por não ser "legal". O guarda é fascista: não quer alegria acessível, nas calçadas da cidade, barata. Três por dez. Não é senão o povo o beneficiado com isso. Não é senão o povo o consumidor dessa alegria. Mas o guarda não quer isso. E bota o camelô pra correr.

14 de jul. de 2009

Reforma eleitoral e leninismo

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Aprovado na Câmara o PL 5498/ 2009, que traz uma série de reformas na legislação eleitoral. Basicamente torna o processo eleitoral mais "macio", no que diz respeito ao uso "amplamente autorizado" (como diz a justificação do projeto) da internet nas campanhas eleitorais (o que seria inevitável cedo ou tarde), por exemplo, e à facilitação nos casos de punições a partidos e candidatos. Facilitou-se tanto que foi mesmo dito (como se vê neste link) que a categoria dos políticos "legislou em causa própria". Pode ser verdade- conhecemos as variadas gamas de interesses que regem as votações de projetos nas casas legislativas. Mas, independente disso, há que se apoiar as mudanças.

10 de jul. de 2009

Minha visão de Deus

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Deus para mim é um homem azul, exímio arqueiro, exilado na floresta com o irmão e a esposa. É um deus que não conhece a própria divindade; é preciso que o lembrem, para então ouvirem dele, "sou apenas um mortal, da linhagem de Raghu". Não, sóis Deus- se o mundo existe é por vossa causa. Acontece é que, para restabelecer a unidade, encarnais ciclicamente entre os mortais.

Esse deus é humilde: beija os pés de quem quer que mereça. Querendo a paz mas apto para a guerra, não mede conseqüências para preservar sua honra. Enfrenta um exército de demônios para resgatar a esposa- atravessa o próprio mar para isso.

É um deus capaz de despertar um amor tão sublime, que o arquétipo do devoto ideal é justamente seu seguidor: vive literalmente em seu coração e, por seu amor, o devoto é capaz de cruzar os oceanos, em um único salto.

4 de jul. de 2009

Golpe de Estado em Honduras

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Caio Blinder, aqui, aponta o que seria, na cabeça dele, uma hipocrisia: por que a comunidade internacional, que repudia o golpe de Estado sofrido por Manoel Zelaya (na foto) em Honduras, paralelamente fecha os olhos à "ditadura" cubana? No mesmo texto, equipara Fidel a Muamar Kadafi, numa análise rasa como um pires.

Esse simplismo, comumente encontrado na mídia, tem duas origens: ou é fruto de má-fé ou de ignorância. Em um caso e outro, igualmente deletério. A ignorância é perdoável, a má-fé não; principalmente quando sabemos que a direita é inescrupulosa quando se trata de empurrar seus conceitos goela abaixo.

Em Cuba, deu-se uma revolução popular que derrubou uma ditadura financiada pelos ianques. Em Honduras, deu-se um golpe de Estado que derrubou um presidente eleito constitucionalmente.

9 de jun. de 2009

Outras notas soltas- sobre socialismo

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1. Diz Trotsky, na introdução da "História da Revolução Russa": "O materialismo não ignora o homem que sente, que pensa e que age; ele explica-o". Sempre bom lembrar um ponto tão deturpado por muitos "marxistas", que reduzem o homem a um autômato, um joguete ao sabor das forças materiais. Nada mais equivocado. Afinal, o homem é o agente da História; usa sua força criadora para modificar o mundo. Não age livremente, claro, mas condicionado pelas condições e circunstâncias materiais vigentes (Marx no 18 Brumário: "Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado"), sem deixar de ser, como dito, o agente da História. O materialismo "vulgar", que rebaixa o ser humano, não é o materialismo marxista.

22 de mai. de 2009

Religião, doença infantil da religiosidade

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Roger Garaudy fala do integrismo, como sendo a pretensão de possuir a verdade absoluta. Para Garaudy, o islamismo é a versão integrista do islã, assim como, na política, o esquerdismo (o famoso "complexo de vestal") é a doença infantil do comunismo, na expressão de Lênin. Pois bem, digo com todas as letras: a religião é a doença infantil da religiosidade.

A religião aprisiona o espírito em um conjunto cerrado de conceitos, de dogmas, de fundamentos (fundamentalismo?). Religião é a ortodoxia, é a visão única, é o maniqueísmo ("ou está conosco ou não está"), o reducionismo- enfim, tudo o que a religiosidade
não é.

Não é um fenômeno atinente a uma crença específica. Os muçulmanos, coitados, tão associados ao fundamentalismo, no passado foram um exemplo de tolerância; mas é claro que o mundo muçulmano é repleto de integrismo. Assim como entre os cristãos (não é preciso retroceder à inquisição católica do passado, basta que lembremos, bem recentemente mesmo, o caso do centro umbandista depredado por membros de uma igreja evangélica no Catete, Rio de Janeiro) e entre budistas, e hindus, etc. etc.
ad nauseam. É sintomático, para utilizarmos como exemplo um fenômeno atual, o Orkut, que umas das maiores demonstrações de intolerância eu tenha presenciado em comunidades de teor religioso. Baixarias, guerra de egos, donos da verdade, irreverência pouco sadia, todo um cabedal de comportamentos nada, hum, religiosos.

5 de mai. de 2009

Individualismo e Socialismo

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Leio a "Alma do Homem sob o Socialismo" rabiscando, entusiasmado, as partes que me chamam a atenção. Ou seja, quase tudo. Oscar Wilde gosta de falar no Individualismo. Curioso que esse conceito, individualismo, se mal compreendido pode levar às construções liberais/ iluministas do final do século XVIII, que redundam no egoísmo e na competição. Mas o Individualismo aqui tratado é outro: o respeito aos traços pessoais, próprios a cada indivíduo, que só podem ser devidamente respeitados na forma de produção socialista. Pois é de lamentar, diz Wilde, que a sociedade construída com base na sociedade privada "force o homem a uma rotina que o impede de desenvolver livremente o que nele há de maravilhoso, fascinante e agradável". Assim, a "admissão da propriedade privada, de fato, prejudicou o Individualismo e o obscureceu ao confundir um homem com o que ele possui". Apenas no socialismo se consertará tal estado de coisas; o socialismo nos levará ao Individualismo. No original: "Socialism itself will be of value simply because it will lead to Individualism. Socialism, Communism, or whatever one chooses to call it, by converting private property into public wealth, and substituting co-operation for competition, will restore society to its proper condition of a thoroughly healthy organism, and insure the material wellbeing of each member of the community. It will, in fact, give Life its proper basis and its proper environment. But for the full development of Life to its highest mode of perfection, something more is needed. What is needed is Individualism".

6 de abr. de 2009

Notas soltas

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1. O princípio tributário do non olet ("não cheira"), que remonta a Vespasiano (historicamente, e anedoticamente, mas com diferença de fundo), pelo qual não importa ao Fisco a origem do dinheiro recebido via tributo, poderia passar, numa análise superficial, por expressão da cupidez da Fazenda. Mas não é isso- se se tributa o honesto, a fortiori deve-se tributar o desonesto. É uma questão de justiça, e é por isso que Ricardo Lobo Torres elenca o princípio dentre os vinculados à "idéia de justiça". 

2. Pascal diz, no fragmento nº 579 dos "Pensamentos", que "os Estados pereceriam se suas leis não se dobrassem com freqüência ante a necessidade". O Direito, que serve à sociedade, deve se adaptar à realidade prática, e não esta àquele. É a mesma coisa que Cícero diz em "Dos Deveres", sobre a manutenção da sociedade ser o fim de todas as leis. A lei existe para os homens, e não o contrário. Em termos principiológicos, a Eficiência, isto é, fazer mais, e melhor, por menos, deve estar na ordem do dia, não podendo haver perda de qualidade da atividade estatal em razão de imobilismo e engessamento de lei. Mas -e isso é fundamental- a Eficiência jamais deve menoscabar a Legalidade. Sobre o equilíbrio entre um e outro (fazer eficientemente, mas sempre legalmente), falo aqui.

2 de abr. de 2009

"Um olhar sobre a América Espanhola"

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É o título de um artigo de Simón Bolívar, escrito no primeiro semestre de 1829. Tantas lutas, tantas abnegações e dores- e o cenário é desolador. A situação na Argentina é atroz; falando sobre seu sistema pós-independência, diz: "Turvam-se as eleições com tumultos e intrigas (...) Tudo é decidido pela força, o partido ou o suborno; com quais objetivos? Para mandar por um instante, entre os alarmes, os combates e os sacrifícios (...) Eram raras as eleições em que não interviessem desordens espantosas". E a Argentina não era a única com tais mazelas, como o próprio Libertador ressalta. "Em lugar nenhum as eleições são legais, em nenhum o mando é sucedido pelos eleitos segundo a lei". Enquanto na Argentina a anarquia se perpetua, o Chile e a Guatemala escandalizam; a "infeliz Bolívia" tem quatro chefes diferentes em menos de duas semanas, e "os horrores mais criminosos inundam aquele belo país", o México. Enfim: "Esta é, americanos, nossa deplorável situação".

18 de mar. de 2009

Starry Starry Night

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Acordo com Don McLean cantando "Vincent"- não há maneira mais doce, e mais melancólica, de despertar. "Agora entendo o que você tentou me dizer", diz a letra, "como sofreu por sua sanidade". Como tentou libertá-los e como eles não ouviram, e talvez nunca ouvirão. Eles, quem? Os homens. O instrumento de libertação? A arte, e nenhum outro.

Vincent é Vincent Van Gogh. Sobre quem Henry Miller escreveu, no Plexus: "O que me encantava era o desejo ardente de Vincent de viver a vida de um artista, nada mais ser do que um artista, acontecesse o que acontecesse. Com homens dessa têmpera, a arte se torna religião". Miller continua, lembrando as críticas que o pintor sofrera de seus contemporâneos, "Pobre Van Gogh! Rico Van Gogh! Todo-poderoso Van Gogh!", o artista que, enfim, os venceu a todos. Mas só depois: em vida vendeu um único quadro.

14 de mar. de 2009

Advento do Fórum Tribuna Comunista

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Talvez por ser de uma geração anterior ao Orkut, sempre considerei fóruns em formato phpBB como mais ricos e mais estimulantes para qualquer tipo de debate. O Orkut, em que pesem as melhorias no sistema de comunidades, ainda está a anos-luz atrás, faltando recursos básicos como a edição de mensagens ou, para o administrador da comunidade, a possibilidade da repartição do fórum em seções específicas.

Inobstante tais desvantagens, o Orkut praticamente domina a rede, monopolizando os interessados em debates virtuais. Muitos fóruns em phpBB vieram a naufragar com o crescimento do Orkut; outros tentaram nascer nesse ínterim, mas ou não obtiveram participantes, ou os obtiveram em número pífio, não justificando sua manutenção.

27 de fev. de 2009

Capitalismo e a morte de Mozart

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O espírito humano é indomável- mas está subordinado às condições materiais em voga. Não se trata de diminuir o ser humano, como poderia equivocadamente parecer, mas de compreender que, imersos num mundo material como estamos, não podemos fugir à própria natureza. Para ter condições de filosofar, afinal, é preciso antes de tudo ter condições de vida, ou, simplificando, antes de filosofar é preciso comer. Daí Marx e Engels, no "Ideologia alemã", explicarem: "A vida não é determinada pela consciência, mas esta pela vida", ou, antes: "A produção de idéias, de concepções, de consciência, é a princípio diretamente entrelaçada com a atividade material".


Saint- Exupéry, no "Terra dos homens", narra uma passagem emblemática: em uma viagem de trem, pela Europa, ele observa famílias de imigrantes poloneses. Um casal chama sua atenção: dormem, tendo entre eles uma criança, tão bela que Exupéry enxerga nela "Mozart menino". O menino parece um artista- encontrando condições adequadas, poderia desabrochar suas potencialidades, tal como um novo Mozart. Exupéry faz uma analogia: quando no jardim nasce um flor especial, ela é isolada pelos jardineiros, cuidada com carinho, enfim, recebe condições para que possa se desenvolver. Mas o próprio autor reconhece que "não há jardineiros de homens", para concluir, melancolicamente, que o "Mozart menino" estava condenado. Seguindo o destino de seus pais, encerraria seus dias como os demais operários, jogados à miséria e à ignorância.

3 de fev. de 2009

A dança de Ogum

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Esqueci de escrever isso. No final de dezembro, festa de Iemanjá, grande celebração da cultura brasileira na praia de Copacabana. Ao som de uma curimba, alguns meninos irão dançar representando os Orixás. O ogã cantarola um ponto. O primeiro menino entra solene, sério. Não se dá muito por ele, mas, quando os atabaques despertam, começa a dançar. Aí o mundo se transforma. Já não é um menino de 12 anos, e sim uma força da natureza, é o próprio Orixá que pisa, frenético, na areia de Copacabana. Ogum dança e dança, brandindo a espada, e tudo que há de guerreiro e de bélico no mundo vem num turbilhão à minha mente: Heitor, Aquiles e Ajax, hostes jônicas, dóricos bárbaros, expedições macedônicas, guerras púnicas, legiões romanas, Vercingetorix e Caio Júlio César, cruzados e jihad, tropas napoleônicas.

As forças atávicas da guerra dançam na areia com o Orixá, e ao som dos atabaques emergem espadas e escudos, lanças e gládios, as flechas de Rama, o carro de combate de Arjuna. Vejo o Exército Vermelho de Leon Trotsky, vejo as batalhas indígenas de Cavalo Doido e de Tupac Amaru, vejo Bolívar e Sucre. Vejo os cavaleiros da távola redonda e vejo também as brigadas internacionais na Espanha, e diante deles todos a efígie do marechal Zukhov.

Os atabaques param e o menino readquire a seriedade. Afasta-se do centro da arena de areia, que será ocupada por outro menino representando outro deus. Ogum já dançou, está saciado. Eu, a cabeça ainda girando, em silêncio, por ser tão fraco, peço perdão ao Orixá.

23 de jan. de 2009

Battisti e crimes políticos

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Algumas considerações sobre o status de asilado político, concedido a Cesare Battisti pelo governo brasileiro. A Itália tem protestado contra tal medida, sob o argumento de que Battisti foi condenado não pelas suas idéias (era membro de um grupo de esquerda nos anos 70, acusado de terrorismo), mas sim pelos seus atos- foi julgado por assassinato pela Justiça italiana, cometido no período de militância.

O tema aqui tratado é o chamado "crime político", que possui duas espécies. O crime político próprio é o de opinião- aquele que causa ameaça à ordem institucional, ao sistema vigente. O impróprio é aquele que consiste em crime de natureza comum, mas com conotação, com pano de fundo, político/ ideológico. É o caso de assaltar um banco, por exemplo, para obter fundos para determinado grupo político. Ou nas palavras de Delmanto¹: os crimes políticos próprios "somente lesam ou põem em risco a organização política", ao passo que os impróprios "também ofendem outros interesses além da organização política".

19 de jan. de 2009

Ainda, e ainda, o drama palestino

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Pão, pães, é questão de opiniães, como diria Guimarães Rosa. Sendo a sociedade composta das mais diversas correntes -no campo político, um largo espectro que vai do fascismo na ultradireita ao esquerdismo infantil- é natural que, sobre a questão Palestina, surjam as mais variadas opiniões. Assim, há quem considere, por exemplo, os palestinos em geral, e o Hamas em particular, os culpados pelo banho de sangue dos últimos dias na Faixa de Gaza.

É compreensível que existam opiniões díspares sobre o assunto, portanto. Mas, algumas são tão infundadas, tão absurdas -não há expressão melhor- que levantam dúvida sobre a própria mentalidade e caráter de quem levanta tais opiniões, e colocam a tarja de "cuidado, atenção!" sobre elas. Cuidado para não ser tapeado. Para não cair na lorota. Para não se deixar lobotomizar pela ofensiva midiática que, sabemos, só apresenta um viés dos fatos.