Há pouco tempo fiz uma postagem defendendo o trabalhador informal da repressão fascista da Guarda Municipal de Eduardo Paes (que tem em seu governo o Partido Comunista -sic- do Brasil, mas isso é mero detalhe, aos conciliadores -ou oportunistas- já dediquei os seguintes versos). Usei como símbolo, como arquétipo de camelô perseguido, o vendedor de CDs piratas. Porque música é uma das coisas mais belas da vida. Inclusive na postagem identifico a música com a própria "alegria", simbolicamente falando.
Uma companheira trouxe um viés crítico: o produto comercializado pelo camelô tem origem criminosa. Indiretamente, o camelô faz parte de uma cadeia criminosa.
Pois bem, não desconsidero a complexidade da questão, mas insisto na defesa do camelô- e dos produtos por ele vendidos. Por dois motivos: primeiro, o sistema capitalista deveria dar a todos, sem exceção, o pleno emprego. Mas, ao contrário, o sistema é excludente; a exclusão faz parte de sua natureza. Se o indivíduo é alijado do mercado de trabalho formal, deve se virar como pode. Segundo, música (arte em geral) deveria, sim, ser amplamente acessível. Mas não é assim, e isso também é reflexo da natureza do sistema.
Dia desses, a propósito, me deparei com um texto, cujo título, "Pirataria vai matar o artista pequeno", já diz a que veio. Confesso que não tinha pensado na questão: Britney Spears, Ivete Sangallo, Zezé de Camargo & Luciano (e todas aquelas maravilhas -entendam como quiserem- da cultura pop) não ficarão menos ricos com a venda de CDs a três por dez na Rua Uruguaiana. Mas...E o artista iniciante?
Bem, em que pese o problema, eu digo o seguinte. Ninguém vai piratear (não gosto do termo, justamente por ter dúvidas quanto à "ilicitude" do ato, mas vamos usá-lo) o artista iniciante. Isso é fato. Até para ser pirateado é preciso apelo popular, ninguém vai copiar a obra de um artista desconhecido. Logo, a pirataria não vai matar o artista pequeno, porque o artista pequeno não é atingido por ela.
Também digo o seguinte: programas peer-to-peer, emule, kazaa (ainda existe?), downloads de músicas etc. (que também podem estar reunidos sob o rótulo "pirataria") são irrevogáveis. São símbolos da cultura do século XXI. O artista iniciante, que já nasce dentro deste contexto, deve se adaptar a ele. E imaginar novas formas de capitalizar sua obra, sem nadar contra a corrente.
Eu sustento, com toda a convicção, que direitos autorais mesmo apenas os morais. Não deveria haver os patrimonais. Esse conceito (direitos autorais morais e direitos autorais patrimoniais) está explícito no art. 22 da lei 9610 de 1998, assim dizendo: "pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou". A própria lei explica: direitos morais são os de reivindicar a autoria da obra, de ter seu nome associado a ela, de assegurar sua integridade, proteção contra modificações não autorizadas etc. Esses direitos, sim, eu concordo: são inalienáveis e irrenunciáveis (art. 27 da lei). Esses sim, devem ser protegidos.
Os direitos patrimoniais, não. Reprodução, execução, distribuição etc. (conforme elencados no art. 28 e seguintes) deveriam ser gratuitos. Arte deve fluir livre, acessível, plena. Para todos. E não só para os que podem pagar.
Irão me objetar que o artista também precisa de dinheiro, afinal vive disso. É verdade. O artista vive disso, porque o sistema é capitalista e assim, oras, precisamos de dinheiro. Mas o que é normal hoje não é, não será, sempre. A arte não deve ser rebaixada a um ganha-pão. Deve ser, antes, uma necessidade de vida.
*
Já que falamos de pirataria, escolhi como imagem "Piratas africanos sequestrando uma jovem" (tradução livre) de Delacroix. Botar o Capitão Jack Sparrow seria muito tosco.
Sobre pirataria, a própria industria da música tem se reinvendado para lidar com os novos tempos e suas mídias. Sábado no Circo Voador o Biquini Cavadão anunciou que o novo CD deles seria comercializado a preço de custo: 6 reais. A fonte de faturamento principal do artista show. Além disso, para a industria de filmes, o preço absurdo que é ir num Cinemark e pagar 23 reais para ver um filme 3d, compele a pessoa que também tem fome de cultura a buscar o dvd na Uruguaiana por 5 pratas e defender esses 17 reais da sobra. Logo, ficou maneiro seu post para expurgar falsos moralismos de quem condena a venda pirata mas não a indústria monopolista que mete o preço nas nuvens.
ResponderExcluirO Lobão, há algum tempo, resolveu se lançar sem gravadoras e passou a vender em bancas. Segundo ele, desta forma, além do consumidor pagar MENOS, o próprio artista ganhava MAIS por unidade vendida. É um exemplo de idéia bem sucedida.
ResponderExcluir(Acabou que ele mesmo voltou para o esquemão rs, mas isso não importa aqui)
O fato é que é preciso que o artista se reinvente. Descubra formas colaborativas de distribuir sua arte e ser remunerado por isso.
O que não pode, decididamente, e a arte só estar acessível para quem pode pagar.
É um assunto polemico. Concordo plenamente que a cultura não pode se limitar apenas para quem tem condições de pagar por ela, e que por sinal tem um custo muito alto. O nosso país, ou melhor, o país não, mas a população em sua maioria é de classe menos favorecida, não tem condições de comprar um livro, um CD original ou ficar locando filmes. É a nossa triste realidade, mas temos que encará-la e tentar resolver, mas não acredito que proibir a pirataria seja a solução, pelo contrário, seria resolver somente a parte de lá, e como ficaria o de cá? São os dois lados da moeda - é preciso desenvolver formas de download por um custo inferiorizado (não tanto $ e nem tão pouco – 0). Se está protegido pelo copyright não deve-se alterar o conteúdo, respeitar os direitos ‘autorais’ e não ‘patrimoniais’, como você mesmo disse. Não se deve impedir o acesso a estes produtos (desde que não seja para comercializar $, e sim para uso próprio).
ResponderExcluirEste é um assunto universal. Pelo que eu sei a França é o país que mais faz download “pirateado”. Criaram a lei HADOPI – não sei se já foi aprovada, mas já li a respeito. Nesse caso por falta de condições financeiras? Já não sei. Posso falar pelo Brasil, proibir a pirataria é tentar abolir o conhecimento da população, vai contra tudo o que o país teria que fazer para o crescimento intelectual da povo (se é que querem isso.). Outro ponto a se destacar é que mesmo que quisessem controlar a pirataria, não é possível ter um controle disso tudo, quem faz down que não faz, até pq tem as Lan Houses e td mais, e tbm os expert no assunto que sabem ludibriar o sistema, poucos pagariam por muitos, enfim... então: “se não pode com o inimigo, una-se a ele” – sem perder o alvo: Arte para todos (com ou sem piratas) .......... (falei bastante, mas daria um outro artigo se fosse falar dos camelôs ... rs) ........Marli.
Então. O crescimento intelectual do povo, como você diz, passa necessariamente pelo acesso amplo e ilimitado à cultura.
ResponderExcluirTejo e Marli:
ResponderExcluirCoerentes como sempre vossos comentários, sendo assim, pouco me sobra a somar nessa idéia. apenas me permito essa: Fato. Hoje, artistas/musicos não lucram mais com vendas de CD´s, mas com shows, direitos de imagem, eventos.
Concordo plenamente com vocês dois.
Liberdade ainda que tardia! Cultura e vinho para todos.
Jah bless
Pois é, Velho Marujo.
ResponderExcluirUm fato real, que aconteceu há pouco comigo. Há algumas semanas, estava procurando o "Clube da esquina 1", de 72. Estive em 3 (três) lojas diferentes. Em duas, o CD não existia. Na terceira, havia uma versão, tipo box, com outro CD junto (o qual eu não queria), por inacreditáveis R$ 100,00 (cem reais).
Tentei no Emule- a obra estava lá. É claro que baixei, estou ouvindo inclusive no exato momento.
Esse episódio, que acontece diariamente mundo afora, é sintomático. Várias questões surgem aí: o consumidor deve ser o prejudicado pela má distribuição da obra pelo comércio? o consumidor é obrigado a levar o que não quer levar, por imposição das gravadoras? É obrigado a pagar os preços que impõem, quando é possível ter acesso à obra por outros meios?
Essas situações são irrevogáveis, como eu disse. O artista do séc. XXI já nasce nesse contexto, deve assim se adaptar a ele.
Tejo:
ResponderExcluirConcordo plenamente com você, faço música desde os 16 anos, hoje, aos 26, passaram-se 10 anos e te garanto, musico algum (no Brasil), enriquece com vendas de CD, afinal, a pirataria tornou inviável a comercialização desses produtos.
Concordo quando afirma ser absurdo o preço cobrado em um CD, mas garanto que esse preço por muitas vezes é imposto não pelo artista, mas pela gravadora.
Outro fator, é que temos que encontrar um equilibrio, pois não acho justo vender um Cd a R$ 40, 00, mas também é extremamente injusto com o artista vende-lo por R$ 3,oo.
O problema é que ainda no Brasil não vemos música como profissão, ora, o artista/musico é digno de salário como qualquer outro trabalhador, e a pirataria prejudica e muito a profissão dessa classe, mas isso é apenas fruto do desemprego, não culpo quem vende pelas ruas, mas existe uma mafia gigantesca por detrás deles.
Pouquissímas pessoas sabem quanto custa para gravar uma música, eu e minha banda já chegamos a gastar R$ 400,00 em uma música, agora você acha justo noites mal dormidas, horas de estudio e ensaio, para depois alguém vir e simplesmente piratear nosso trabalho?
É por isso, que muitos artistas brasileiros tem ido para a Europa e Asia para trabalhar, pois infelismente nesse país essa categoria não tem e nunca terá o devido respeito profissional que lhe é devido.
Fazer música não é facil caro amigo, sendo assim, que possamos ter preços acessíveis para todos, e que assim todos ganhem, ouvinte, artista, e não a pirataria.
Pra finalizar, concordo que a arte tem que ser acessível a todos e a preço sustentável, mas convenhamos R$ 3,00 em um CD, se nós gastamos de 5 a R$ 10,000 para produzir? Quem sustentará esse músico, sua familia, suas responsabilidades?
E discordo, quando diz que artista tem que aceitar essas condições, pois assim como o camelô, ele é uma vitima do capitalismo.
Fico extremamente chateado em ver como o musico é desvalorizado no Brasil, ao ponto de acharmos que esse tem que trabalhar de graça, fazer arte de graça. Todos estudam para praticarem uma função, médicos, arquitetos, dentistas, administradores, e advogados como você. Todos lutaram para garantir seus sustento através daquilo que melhor sabem fazer, agora me responda. Um musico não estuda tanto quanto para aprender sua profissão? Então por que agora será revogado o seu direito de cobrar pelo seu serviço? Você é advogado caro amigo, e duvido que trabalha de graça, e provavelmente cobra o que é justo devido a seus anos de estudo, ao seu conhecimento. Assim, como não seria justo que você vendesse sua mão de obra de graça, você acha justo que a obra desses artistas seja leiloada em praça pública? Será que voltamos a velha história que artista no Brasil esta tendenciado a morrer de fome, que todo mundo é trabalhador, mas musico não... música é coisa de vagabundo?
Entenda, concordo que os preços cobrados são abusivos e forá da nossa realidade, concordo, sinceramente. Mas, discordo totalmente, que a arte deve ser sucateada a preço de banana, como se não tivesse nenhum valor, por que assim como um advogado tem direito de receber por sua mão de obra, um artista também tem. Ou será que um advogado é mais merecedor de seu salário do que um artista?
Velho Marujo,
ResponderExcluirExtremamente oportuno seu comentário, e vem enriquecer ainda mais nosso debate.
A questão realmente é complexa, e tem vários vieses.
Como marxista, e portanto sempre atrás de soluções de fundo (radicais, isto é, de raiz), acredito que é o sistema que está errado, e portanto qualquer solução que não traga em seu bojo a superação do sistema será inócua.
Parece óbvio, por exemplo, que apenas em um sistema de produção não regido pela ótica do capital, a criatividade artística pode atingir seu apogeu. Por que? Porque não há pressões mercadológicas, disputas no IBOPE, departamentos comerciais para satisfazer. O artista só deve obedecer aos influxos de sua própria inspiração- livre.
A questão da justa remuneração do artista passa por esse problema, também. O sistema não trata o artista como produtor de "cultura", e sim de "mercadoria"; a arte é um produto, muitas vezes descartável. Observe-se as paradas de sucesso, os "top 10" da vida. É uma cultura do supérfluo, uma cultura vazia; só é valorizado aquele que VENDE. VENDER para um artista acaba valendo mais que seu talento, sua inspiração. Bandas pré-fabricadas, por jogadas de empresários, são extremamente comuns.
Enfim, é preciso mudar esse cultura. Mas isso apenas em um sistema diferente.
O artista-trabalhador é tão trabalhador quanto qualquer outro: e como tal, faz jus ao respeito, à dignidade, à justa remuneração.
É por isso que, aos que criticavam a poesia como trabalho, Maiakovsky escreveu "O poeta operário", eis um trecho:
Grita-se ao poeta:
"Queria te ver numa fábrica!
O que? versos? Pura bobagem!
Para trabalhar não tens coragem".
Talvez
ninguém como nós
ponha tanto coração
no trabalho.
Eu sou uma fábrica.
E se chaminés
me faltam
talvez
sem chaminés
seja preciso
ainda mais coragem.
Tejo:
ResponderExcluirExcelente comentário.
Assimilei virgula por virgula do que foi escrito.
E tem um ponto que considero fundamental em suas palavras, a questão da elaboração de um novo sistema cultural. Realmente, nos "TOP lixo" da vida, a questão cultural é um mero alibe de mal gosto para VENDER, e assim o lixo comercial rouba espaço da verdadeira música, a arte real, o espaço daqueles que fazem por amor e não por dinheiro. É profissão sim (como bem citou o poema do poeta), e como qualquer profissão é importantissímo que aqueles que se preparam, estudaram e fizeram por merecer alcancem espaços. Mas, como bem sabe, esses que fazem a verdadeira arte morrem de fome, equanto o lixo enriquece a custa da pobreza intelectual e cultural do povo.
E é claro, para o sistema é também de extrema importância que assim permaneça.
Como já disse o antigo rei: "Pão e circo ao povo"
Que possamos criar um novo sistema, e que viva a viva arte do pobre e nobre artista.
Agora notei o seguinte.
ResponderExcluirAo reler o post, tive a sensação de ter sido contraditório. Se por um lado eu digo que não deveria haver os direitos patrimoniais de autor (e apenas os morais), por outro eu disse, em resposta ao Velho Marujo, que os artistas deveriam receber a justa remuneração.
Como conciliar isso?
Há que se visualizar uma sociedade onde, ao mesmo tempo em que a arte seja GRATUITA (ou seja, acessível a todos, e não apenas aos que podem pagar), o artista tenha sua subsistência garantida. São esses dois interesses, aparentemente contraditórios, que precisam se encontrar.
Como a solução que eu sugiro é sempre sistêmica, penso que os encargos da arte não devam ser suportados pelo indíviduo isoladamente, e sim pela coletividade; assim como, pelo mesmo motivo (fim da exploração privada do trabalho alheio) qualquer outro trabalhador deva receber sua remuneração do conjunto da sociedade.
São sugestões que servem para situar o problema.