27 de jun. de 2010

Observando (e um pouco de zen)

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Considero-me observador. É difícil esquecer um nome, um rosto. Cá no meu canto, enquanto aguardo – filas, guichês, ônibus – faço um rastreamento das coisas ao me redor. É um passatempo; tanta diversidade, tanta riqueza ao alcance de nosso olhos. Não é um cinema, mas pessoas reais, de carne e osso. E como isso é mais rico que o cinema, poucas pessoas se dão conta.

Por exemplo, estou no tribunal – não importa qual, nem o dia. O debate se desenrolava no plenário. Não uma sessão de julgamento, com todos os rigores solenes, mas sim juízes e advogados abordando temas em comum, um tipo de procedimento corriqueiro naquele tipo de Justiça. No fundo do plenário, oculta pela penumbra, lá estava ela. Sendo os cabelos e as roupas escuras, apenas o rosto alvo se destacava. Era bonita, eu pude notar, não a beleza gritante da juventude, mas madura, menos pela idade e mais pela postura. Juíza... Todo o modus operandi de uma austera autoridade. Foi enquanto transcorria o debate no plenário que a descobri, lá, parada, em pose de Helena Blavatsky. Pois era teosófica sua pose, sua postura, seu olhar. Teosófico, se é que podemos definir assim uma pose, uma postura, um olhar, mas nenhum outro termo seria mais adequado. E o olhar, eu percebia bem, estava em mim. Talvez não em mim, propriamente, mas no espaço físico etéreo-astral onde eu me situava, aqueles olhos de Blavatsky perscrutando o que os nossos, de leigos, não conseguem. Talvez eu não estivesse ali, pra ela. Olhava através de mim. Seja como for, precisei quebrar o encanto para prestar atenção no debate que se desenrolava.

18 de jun. de 2010

Um barulho na noite

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Abro os olhos. Uma pena- o sonho estava bom. Revisitava uma praça da minha infância, no bairro Peixoto, Copacabana. Estava mudada: o cenário era estranhamente botânico, digamos assim, plantas e flores para todos os lados, mas os brinquedos os mesmos, como costumavam ser, cheia de crianças. Enfim, um sonho agradável, nostálgico, mas com um pano de fundo de mistério, digamos assim de novo, como convém a todo bom sonho e ao id e seu domínio. Mas como dizia, abro os olhos e tudo se esvanece: acordo com um ruído no quarto. Intrigado tento, como um animal de sentidos desenvolvidos, apurar os ouvidos no escuro e identificar a fonte do ruído. Não consigo.

Sento na cama, ainda no escuro, conjeturando. Seria o ventilador, que, mesmo em dias frios, tenho o hábito de deixar ligado? Seriam cupins no armário? Seria...seria...? As hipóteses iam sendo descartadas conforme surgiam. Restava, ah, não, não pode ser, não o sobrenatural. A mais implausível das possibilidades. Mas implausível hoje. Houve tempo de temor supersticioso, de crucifixos e dente de alho no bolso, tempos de sinal-da-cruz e pai-nossos. Mas é passado, ficou para trás nas névoas da minha Idade Média particular.

13 de jun. de 2010

Contra o pensamento binário (de novo)

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Até Jacarepaguá é um bom pedaço, mas não estou sozinho. Levo comigo Trotsky em biografia: queria poesia, queria literatura, mas Trotsky é ele também poesia. E como não? Engajar-se na Rússia czarista é poesia, fazer a revolução é, ser o presidente do Soviete de Petrogado é, presidente do Comitê Militar Revolucionário, Comissário do Povo para a Guerra é...Fundador do Exército Vermelho. Depois a perseguição, a calúnia e o exílio, mantendo sempre a fina dialética viva, até a morte, à traição -como é de praxe- pelo agente stalinista. Quem não enxergar poesia nisso tudo não entende de poesia, é um aleijado, humanamente falando.

Uma coisa que acontece é que muitos não querem saber de poesia- real ou figurada. Poesia é meio que um desvio na mente dessas pessoas, eles que abraçaram o obscurantismo. Eles que têm a dialética de uma porta. Você que tem um animal de estimação, faça o teste: mais fácil o bicho entendê-los do que esses de quem falo. Os stalinistas são desse gênero de porta. Torno a esse assunto sem receio de me tornar monotemático. Porque é um assunto ainda palpável, ainda vivo e, como tal, preocupante. Preocupante para todos nós que reivindicamos o marxismo e o leninismo e, como tal, não podem abrir mão da dialética. E o stalinismo é o inimigo número um da dialética.

6 de jun. de 2010

De cavaleiros templários

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Foi uma noite. Imbuído de melancolia, faço o que costumo fazer nesses momentos: leio o "Eu" de Augusto dos Anjos. Contraditório que seja, ler versos de tristeza, quando se está triste, é ter um pouco de alegria.  É ver que não se está sozinho. Daí, folheando as páginas, chego a "Vandalismo", um primor de poesia cruel. Cruel, e o próprio nome do soneto dá a pista- o vandalismo é o do despedaçar dos próprios sonhos, "no desespero dos iconoclastas". Mas que bela imagem, o contraste: primeiro Augusto nos apresenta as "catedrais virginais", com ênfase em sua pureza e beleza, para então acrescentar à cena a loucura do vândalo, que a tudo destrói. Como um estupro. E esse vandalismo, essa ofensiva aos "templos claros e risonhos", não se dá desacompanhada: conosco estão os "velhos Templários medievais".

Quem já leu "O pêndulo de Foucault", de Umberto Eco, com toda teoria da conspiração que permeia a obra, sabe que, no universo hermético -o do ocultismo- tudo se interliga de alguma forma. Não há acaso. O simpático padeiro pode ser membro de uma seita, assim como o colega de bar, sem que saibamos, um grão-mestre de alguma ordem obscura. Tudo sem que saibamos, sem que sequer desconfiemos. Eles, por sua vez, nos manipulam -a nós e à ordem mundial- e nos usam como joguetes de seus desígnios além da compreensão dos leigos. É nesse clima de conspirações que "O pêndulo de Foucault" se desenvolve, uma trama que confunde o leitor e o arrasta num turbilhão de suposições e suspense psicológico junto com o protagonista do livro, Casaubon. E, dentro do espírito do livro, o fato de Augusto dos Anjos ter incluído em seu poema os cavaleiros templários -um clássico do universo ocultista- não poderia ter sido mero acaso. Teria sido Augusto um iniciado?

1 de jun. de 2010

Tédio e vida

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Parece que os espíritos tendem a ser atraídos para a mediocridade. Em todos os campos, em todas as esferas de atuação humana- no amor inclusive, e principalmente, haja visto que a maioria (absoluta) dos relacionamentos deságua naquele fantasma inexorável, o tédio. É aquela história: façamos o que for, acabamos por nos conformar, nos habituar, castrando qualquer outra possibilidade de mudança. Triste, principalmente, quando sequer nos damos conta disso, e nos contentamos com nosso pequeno mundo. E enxergamos nele o ideal de felicidade que pedimos a Deus.

Não quero ser intolerante. Acredito que as pessoas têm a liberdade de seguir rigorosamente o tipo de vida que quiserem, mesmo que esse tipo possa parecer inadequado ao olhos dos outros. Defendo a liberdade plena- por ser comunista, sou libertário. A pessoa deve ser livre até para cercear a própria liberdade, se assim quiser. O que acho que é essa liberdade, justamente para fazer jus a esse nome, deve ser consciente, voluntária. E não imposta por padrões preconcebidos e arcaicos. A "tradição" é um perigo. A mulher aceita ser reduzida a uma dona de casa geradora de rebentos simplesmente porque sua avó, e a avó de sua avó, eram assim. E acha que esse é o papel dela, também. Isso não é liberdade: é lavagem cerebral, é a reprodução acrítica de um comportamento.