27 de fev. de 2009

Capitalismo e a morte de Mozart

O espírito humano é indomável- mas está subordinado às condições materiais em voga. Não se trata de diminuir o ser humano, como poderia equivocadamente parecer, mas de compreender que, imersos num mundo material como estamos, não podemos fugir à própria natureza. Para ter condições de filosofar, afinal, é preciso antes de tudo ter condições de vida, ou, simplificando, antes de filosofar é preciso comer. Daí Marx e Engels, no "Ideologia alemã", explicarem: "A vida não é determinada pela consciência, mas esta pela vida", ou, antes: "A produção de idéias, de concepções, de consciência, é a princípio diretamente entrelaçada com a atividade material".


Saint- Exupéry, no "Terra dos homens", narra uma passagem emblemática: em uma viagem de trem, pela Europa, ele observa famílias de imigrantes poloneses. Um casal chama sua atenção: dormem, tendo entre eles uma criança, tão bela que Exupéry enxerga nela "Mozart menino". O menino parece um artista- encontrando condições adequadas, poderia desabrochar suas potencialidades, tal como um novo Mozart. Exupéry faz uma analogia: quando no jardim nasce um flor especial, ela é isolada pelos jardineiros, cuidada com carinho, enfim, recebe condições para que possa se desenvolver. Mas o próprio autor reconhece que "não há jardineiros de homens", para concluir, melancolicamente, que o "Mozart menino" estava condenado. Seguindo o destino de seus pais, encerraria seus dias como os demais operários, jogados à miséria e à ignorância.

Quantas potencialidades não são perdidas, diariamente, e no mundo inteiro, em razão da falta de condições materiais adequadas? O jurista sem livros, o pintor sem tintas, o músico sem instrumentos, o jovem talento, enfim, que, não obstante a vontade e a vocação, é obrigado a seguir outro rumo, outro caminho, para que não morra de fome. E o Mozart diário, em cada um de nós, é sufocado.

Como fica evidente, é sob a forma de produção capitalista que a morte de Mozart adquire feições mais trágicas e aviltantes. Pois o talento nada vale diante da necessidade de pagar contas, o sonho nada importa quando se tem credores à porta- Mozart deve seguir a profissão que as condições lhe empurrarem, e isso caso lhe empurrem uma profissão. Pois não é tão simples obter um emprego num sistema capitalista(1), mormente sob modelo neoliberal, com os odiosos "exércitos de reserva" de trabalhadores desempregados.

Não é exagero dizer que a perda de um talento, de um artista (Henry Miller(2): artista é quem quer que crie, o que quer que seja) é uma perda para a própria Humanidade. A solução para Mozart é um sistema econômico diferente: baseado não na concorrência, mas na solidariedade. Não competitivo, e sim cooperativo, que possa, a todos, garantir as condições elementares para o desenvolvimento das potencialidades plenas do ser humano.




(1) DIEESE: desemprego volta a crescer em janeiro. Vide http://www.dieese.org.br/
(2) No "Pesadelo refrigerado".

2 comentários:

  1. Realmente quantos talentos não são perdidos em meio as nossas favelas,sertões e situações de extrema pobreza? Obrigando, a maioria das pessoas a esquecerem do sonho,a não se descobrirem. É uma pena que isso ainda aconteça. E me parece que o capitalismo se torna mais forte a cada dia, mesmo com suas crises. É como se não houvesse outra opção, sendo que existe.
    Será que um dia ainda veremos uma sociedade mais justa? Espero sinceramente que sim.

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  2. Acredito na mudança, Emanuella. E é preciso que lutemos por isso.

    Recente foi divulgado que 1 bilhão de pessoas passa fome no mundo (http://migre.me/9nCB).

    A frase "socialismo ou barbárie" é, mais do que nunca, atual.

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