10 de ago. de 2009

Kafka e Battisti

Celso Lungaretti, aqui, lembra o caso Battisti e aponta o arbítrio de uma Corte (?) que insiste em manter, como prisioneiro, um refugiado político. Eu já havia feito, logo após a concessão do status de refugiado (uma impropriedade, pois o termo seria "asilado", por se tratar de perseguição individual e não coletiva) político pelo Ministério da Justiça, um rápido estudo sobre o tema, no qual fica claro -e vi pela reação de várias pessoas que o leram- que o asilo (ou refúgio) foi corretamente concedido, sendo um ato soberano do país asilante. Para citarmos opiniões mais abalizadas, temos José Afonso da Silva, em parecer solicitado pela OAB federal, e a moção do Instituto dos Advogados Brasileiros, em sessão do dia 04/ 03/ 09, apoiando a decisão do governo brasileiro. Opiniões mais valiosas no tema tratado, portanto, que as de Paulo Henrique Amorim, que considera Battisti um "meliante comum", como se vê aqui.

Pois bem, o refúgio foi concedido, e pela boa doutrina é constitucional. Ocorre que o STF, um órgão do Estado burguês, dominado pela mentalidade de direita (em que pese um ou outro progressismo aqui e acolá, na figura de um ou outro ministro) insiste em solapar as instituições desse mesmo Estado. A legislação é clara: compete ao Ministério da Justiça conceder o status de refugiado. Foi o que ocorreu. Em face de tal concessão, quaisquer pedidos de extradição em curso são arquivados, conforme o art. 33 da lei 9.474/ 97, que versa sobre a implementação do Estatuto dos Refugiados. Não foi o que ocorreu- o STF MANTÉM o refugiado no cárcere.


Por que? Porque o STF, na figura de seu presidente Gilmar Mendes, se considera ACIMA da Constituição. O art. 2° da Carta Política é límpido: os Poderes da União são independentes entre si. Mas o Judiciário insiste em desrespeitar o Executivo, ignorando solenemente uma decisão de um Ministro de Estado. É evidente a força da direita por trás dessa postura. Não é por acaso que as opiniões dissonantes, quando da divulgação do meu estudo citado acima, tenham vindo de pessoas que nitidamente transpareciam seu direitismo. Para eles, a concessão do refúgio foi motivado por "ideologia vermelha barata" (sic), como se a análise do desrespeito ao due process of law na condução do caso Cesare Battisti pelo governo italiano e a aplicação dos princípios de Direito Internacional fossem questão de ideologia e não de técnica jurídica.


O fato é que essa postura do STF, a de rasgar a independência entre Poderes, se soma aos episódios lamentáveis da crise do Senado, envolvendo os aliados de Lula. Talvez seja a ingovernabilidade, como diz Paulo Bonavides, se aproximando no horizonte. É tudo reflexo da decadência do sistema.


*


Lungaretti, no texto citado logo no início, faz paralelo com Kafka em "O processo", pois aí Joseph K. também é julgado, e condenado, sem saber o porquê. Bem apropriado. Deixo aqui o link para a obra.

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