26 de mai. de 2010

Falando de horas



1. O melhor horário para mim -o mais misterioso, digamos assim- são as 18:00.  É uma espécie de interlúdio entre duas fases, onde noite e dia se misturam, se mesclam, copulam. Encerra-se o ciclo: o dia acaba, e adentramos o reino da noite. Estamos no limiar, daqui pra frente é a noite e seu domínio.  É a hora da Ave-maria, é a hora, não sei por quê, em que me vêm à mente lembranças de praças arborizadas.

2. Ao meio-dia, o sol parece estar zangado. Despeja aqui embaixo sua fúria, condensada em raios e mais raios. Impressionante: arde. Queima a pele. Daí pensamos em todas as notícias cataclísmicas que recebemos da mídia, sobre fim do mundo e efeito estufa. Derretimento dos pólos. Quando era menino, o ano 2000 seria o final dos tempos. Falávamos brincando, mas havia um pouquinho de medo da profecia mesmo no espírito infantil. Já se passaram 10 anos de 2000, e cá ainda estamos. O mundo acaba diariamente para quem morre, é simples assim. Por que tanta coisa e tanto Nostradamus? Mas, é meio-dia e o sol é apocalíptico.

O que motiva essa fúria do sol? E sofremos nós todos aqui embaixo, eu mais que todos, maldito quem disse que advogado nos trópicos precisa de paletó.

3. 6:00 é uma hora doce. Talvez esse adjetivo seja impreciso, mas como definir uma hora que remete ao início, ao começo? Mãos à obra. Temos a vida pela frente. Daí nos sentimos bem, principalmente se estiver fazendo aquele frio agradável, típico de quando o sol ainda não está pleno. Todos coçando os olhos sonolentos, o cheiro de pão quente. Se a noite foi boa, estamos recarregados. Aconteça o que acontecer, podemos dizer às 6:00, aos primeiros minutos do novo dia, estou pronto. O espírito de Leminski:
Não discuto
com o destino
o que pintar
eu assino. 
Um pouco antes das 6:00 também é mágico. A alvorada, alvorada, até esse nome me agrada. A primeira vez que "virei a noite", que acompanhei acordado a alvorada, foi no natal de 1994, se não me engano. Muitas outras vieram depois disso, a maioria na vida boêmia. Daí o sentido é inverso: nos sentimos mal, por estarmos desperdiçando (ou achar que estamos) a noite ao léu. Lembro uma vez em que, ao voltar para casa após uma noite de boemia, por volta das 5:00, ouvi a conversa de duas pessoas na portaria de um prédio pelo qual passava. Um perguntou, "tá chegando agora?", ao que respondeu o outro, "nada, tô indo trabalhar". Indo trabalhar! E eu voltando da farra.

A princípio constrangedor para mim, mas, em uma perspectiva libertária, talvez tivesse sido ele, e não eu, quem estava desperdiçando os dias. Daí, de novo, Leminski: "Moinho de versos/ movido a vento/ em noites de boemiavai vir o dia/ quando tudo que eu diga/ seja poesia". Boemia não é perder tempo, é poesia. É a musa derramando versos noturnos.

*

A imagem do post é um relógio de Dalí, mais precisamente do "A persistência da memória".

3 comentários:

  1. Olá!
    Muito legal esse passeio pelas horas, ou melhor, pelas impressões que as horas causam. O texto é todo poético, bem sensível, né? Gostei bastante!
    Alguns pontos de vista, porém, não são iguais aos meus... rs. Para mim, 06:00 da manhã é um pequeno martírio e não muito pelo fator sono, mas pela ideia mesmo de início, de mais um dia que pode ser cheio, ou tranquilo - nunca sabemos ao certo.

    Beijos!

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  2. De certo modo, eu fui um pouco demagógico. As 6:00 podem ser uma hora "doce", e de fato assim penso, mas, felizmente, não é sempre que preciso acordar nesse horário, rs.

    Agora, se começarmos o dia com viés pessimista, já começamos mal. Os versos do Leminski acima deveriam ser um "mantra do despertar".

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  3. Com certeza, deviam ser um mantra sim! =)
    Vou até me esforçar pra pensar nos versos pra não começar os dias já querendo que eles tenham terminado, rs!

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