24 de jul. de 2006

Cordialmente

Coloco o coração como o centro de convergência da força humana. Ali, condensam-se as energias cruciais, ancestrais, primitivas, atávicas, essenciais, e também os orgasmos, os delírios, os sabores, as sensações, os ódios, os amores, os impulsos, as pulsões, os sonhos- e o que vem desse cadinho guia nossos passos, controlado, ou não, por aquela outra grande força, a do intelecto. O homem, então, é razão e emoção, num (des)equilíbrio duvidoso. Se fosse possível dizer isso, seria o coração o lar simbólico do id; é ali, e não na mente, que nosso lado animal tem lugar. O coração é fonte de poder: e isso era sabido pelos primitivos, ao comer o coração dos inimigos de guerra.

Daí Affonso Romano de Sant'ana*:

"Às vezes, pequenos grandes terremotos
Ocorrem do lado esquerdo do meu peito.

Fora, não se dão conta os desatentos.

Entre a aorta e a omoplata rolam
Alquebrados sentimentos.

Entre as vértebras e as costelas
Há vários esmagamentos.

Os mais íntimos
Já me viram remexendo escombros.
Em mim há algo imóvel e soterrado
Em permanente assombro".

Naturalmente, tudo isso é metáfora. As alterações químicas que afetam nosso humor -paixão, ódio- nascem do cérebro, e não nesse pulsante órgão do lado esquerdo. Sabemos disso. O que resta é poesia.


(* "Assombros", em "Epitáfio para o século XX e outros poemas", Ediouro, 97.).

Nenhum comentário:

Postar um comentário

> Apenas ouvindo a outra parte se exercita a dialética. Deixe aqui seu comentário, sugestões, críticas.

> Comentários ofensivos ou que não guardem pertinência com o assunto do post serão apagados.

> As opiniões expressas nos comentários são de exclusiva responsabilidade de seus autores, e não expressam a opinião do blog.