15 de jun. de 2006

Henry Miller

Retratar a própria vida como um romance é uma tarefa interessante. Árdua, eu diria, constrangedora, às vezes maçante. E foi isso que Henry Valentine Miller (1891-1980) fez, em seus romances autobiográficos. Há muita fantasia, decerto- e o próprio admitiu isso, mas nada que reduza em importância o esforço hercúleo que é transformar fatos banais do dia a dia em fonte de instigação mental alheia.


Caso eu me dedicasse a uma tarefa do tipo, a primeira dificuldade -entendo- seria de ordem ética. Teria eu o direito, afinal, de transformar as pessoas ao meu redor em personagem de romance? Pode-se trocar os nomes, naturalmente, mas aqueles tornados personagens involuntários fatalmente se reconheceriam ali- e seria fácil ferir suscetibilidades assim. E não deixaria de ser, no mínimo, uma indelicadeza e indiscrição com tantas confidências e idiossincrasias particulares tornadas públicas.

Superada tal dificuldade, subjetiva, teríamos outra, objetiva: dar cor ao cotidiano, torná-lo palatável, divertido, desafiador. Acredito que se pode buscar inspiração nas coisas mais simples: rigorosamente nada é em si despido de lirismo. A dificuldade não seria em razão da matéria-prima, portanto, mas do escritor, que -e é essa a tarefa hercúlea que cito acima- precisaria abrir-se inteiramente às menores nuanças de sua vida, em tudo procurando extrair o que realmente é imperioso colocar no papel. Nada fácil, enfim.

Para mais Henry Miller, sugiro este sítio, http://www.henrymiller.info/
, de sua filha.

4 comentários:

  1. Temos esse direito sim, afinal, estamos escritos e inscritos uns nos outros o tempo inteiro. Se fosse assim, as pessoas não escreveriam diários, nem cartas ou emails e nem chegavam pra um amigo íntimo contando algum acontecimento, até porque, esse amigo, pode contar a um amigo, que conta pra outro, pra outro.
    O Henry Miller é uma obra de arte e que incomoda pela sinceridade e crueza extrema. Não se pode dizer que é lindo. Mas há beleza, muita! Diferente do que fez, por exemplo, a Anaïs Nin ao descrever a vida deles em conjunto.
    E Mesmo, o Crazy Cock, por exemplo que ele fala de quando ele e a mulher dele moraram na mesma casa que uma artista plástica lésbica e que ele achava que elas tinham um caso, todos sabiam do que se tratava, mas na verdade, o cerne do livro, é todo outro. Ele levanta tantas questões que, as pessoas e suas histórias, miniminizam-se. Bem, pelo menos, é minha opinião. :)

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  2. Mas já pensou...Eu na noite de autógrafos do amigo, começo a folhear o livro e me deparo com coisas como "Tejo era um sujeito assim, Tejo era um sujeito assado...Um dia me confidenciou isso e aquilo etc". Nunca se sabe de que forma pouco lisonjeira você é interpretado, rs.

    Eu tenho MUITA vontade de escrever dessa forma. Sempre tive. Mas ainda não encontrei a forma adequada de passar isso pro papel. Trocar nomes, talvez, situar a história em um universo fictício...Realmente não sei.

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  3. mas onde vc viu em Henry Miller que fulano era assim, assim, assim? Não tem. Não dá pra saber o nível de ficção e realidade, as duas coisas estão muito misturadas, nele.
    Claro que sabemos que, as mulheres com as quais ele se relaciona no livro, muitas vezes, são desdobramentos da esposa dele na vida real. E quantas vezes ele não chama ela de vadia, louca, cachorra, filha da puta e vice versa? E quer saber, eu acho que eles nem se incomodavam com isso. Funcionava no processo criativo dele.
    Tem gente que não gosta mesmo de se ver exposta, devassada em linhas alheias mas eu acho que, há que se ter uma certa sensibilidade por parte do artista de saber que ele não pode escrever qualquer coisa sobre qualquer pessoa, pelo menos, não de maneira tão aberta.
    Dou força para que você pelo menos tente escrever dessa forma, já que vc tem vontade. Particularmente, é um estilo de escrita que me atrai bastante.

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  4. Concordo com você. Talvez seja questão de bom senso, saber até onde podemos ir. MacGregor, por exemplo, é retratado de forma constrangedora. Até que não escovava os dentes ficamos sabendo, rs.

    Talvez nunca tenha existido um MacGregor, em todo caso, ou MacGregor se chamava na realidade, sei lá, Smith. É aquilo que você disse: ficção e realidade podem se misturar, sem que saibamos onde acaba uma e começa outra.

    Essa seria a minha "solução" para o "dilema" do post. Romancear ali, mudar um pouco aqui, de modo que, sem expor ninguém diretamente, consigamos cumprir esse trabalho de passar nossa vida -experiências etc.- para o papel.

    Agora, eu não sei se realmente eu escreveria dessa forma. Infelizmente, meus amigos (e minha vida) não são assim tão interessantes, rs.

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