14 de nov. de 2010

A vitória do bonapartismo

A História realmente se repete. O homem parece nunca aprender com os erros: avança para retroceder, olha para frente mas pelo retrovisor. É como a citação bíblica, sobre nada de novo haver sob o sol (Eclesiastes, se não me engano). O peso da tradição das gerações mortas oprime, como uma pesadelo, o cérebro dos vivos, como diz Marx. E Marx fala mais: a História, ao se repetir, o faz como farsa. Sempre uma caricatura, sempre um arremedo, grotesco -ou no mínimo ridículo- da coisa imitada. Por exemplo. Pegue-se a obra marxiana de onde foi tirada a ideia acima, o "18 Brumário". Fala das peripécias, pelo poder (acho que o poder individual é a meta de todo medíocre; ainda desenvolverei isso melhor) de Luís Bonaparte, à sombra do tio. Nessa obra há o bolsa-família, por exemplo. Não com esse nome, mas com a mesma ideia, o mesmo objetivo, o mesmo fim: a cooptação da classe trabalhadora, o "cala-boca", a política compensatória que rebaixa, e não redime.

Foi de outra forma, que o lulismo obteve em volta dos 80% de aprovação popular? O lulismo, o da reforma da previdência, das parcerias público-privadas, do aumento da participação do capital privado (estrangeiro inclusive) nas empresas públicas, o dos ruralistas como herois, o das velhas oligarquias (Collor e Sarney, por exemplo) recrudescidas. Não falo em mensalões e corrupção, "aloprados" e dinheiro em cuecas, em valeriodutos e coisas do tipo; isso tudo é inerente ao sistema. O governo melhor intencionado, neste sistema, não ficará livre disso. O que denuncia o lulismo é o neoliberalismo, aplicado nos mais diversos matizes, mascarado pelas tintas sociais que lhe deram tal índice de aprovação. O aumento no consumo é o endividamento nas Casas Bahia, o acesso ao ensino superior é o fomento aos tubarões do ensino privado enquanto se sucateia a universidade pública. E assim o lulismo vai construindo sua popularidade.

E o papel da esquerda, nesse cenário?

Somada, toda ela -do PSOL ao PCO, passando pelo PSTU e por nós do PCB- teve um pouco mais de 1% nas eleições presidenciais de 2010. Retumbante fracasso, se comparado com o êxito (relativo) da Frente de Esquerda em 2006, quando Heloísa Helena alcançou em torno dos 7%. Mas esse fracasso tem três motivos: a) Marina Silva ocupou, em 2010, o lugar de Heloísa Helena como o voto "de protesto" insatisfeito entre PT e PSDB, tirando votos dos partidos de esquerda; b) a fragmentação das candidaturas de esquerda, que não vieram em formato de "Frente"; c) o próprio aprofundamento do bonapartismo lulista, e seu canto da sereia sedutor.

E um quarto motivo, talvez: a campanha de Serra conseguiu ressuscitar uma direita tão reacionária, que mesmo os inclinados a votar na esquerda preferiram a direita lulo/dilmista a correr o risco de ver a TFP no poder.

O que vivemos foi uma verdadeira "americanização" das eleições. Dois projetos similares, o lulista e o demo/tucanato, empurrados como diferentes, empurrados como as únicas possibilidades viáveis. Não é um sistema democrático, e isso foi falado no blog aqui.

O que vem agora, sob Dilma? Não é preciso ser adivinho: a continuidade das contrarreformas neoliberais, estando a trabalhista na ordem do dia. A tarefa que a esquerda tem diante de si é hercúlea. Como podemos evitar nossa desintegração enquanto esquerda? Há 70 anos atrás, Leon Trotsky já dera a resposta. Ei-la:

As épocas reacionárias como a que estamos vivendo não somente desintegram e debilitam a classe operária e sua vanguarda, mas também rebaixam o nível ideológico geral do movimento e retroage o pensamento político a etapas já amplamente superadas. Nestas circunstâncias, a tarefa mais importante da vanguarda é não se deixar arrastar pelo fluxo regressivo, e sim nadar contra a corrente. Se a relação de forças desfavorável impede manter as posições conquistadas, ao menos se deve aferrar à suas posições ideológicas, porque estas expressam as custosas experiências do passado. Os imbecis qualificarão esta política de "sectária". Na realidade, é a única maneira de preparar um novo e enorme avanço quando se produzir o próximo ascenso da maré histórica.

Ou seja. Nestes tempos de esquerda mesmerizada, magnetizada pela sedução do lulismo, de classe trabalhadora cooptada, nestes tempos de pós-modernidade e do cada vez mais comum discurso de revisão do marxismo e da luta de classes; exatamente neste tempos é preciso, mais que nunca, que nos aferremos às nossas posições ideológicas.

Os imbecis nos qualificarão de sectários, adverte Trotsky.

Mas é melhor ser sectário -tenho dito isso, e repetirei em qualquer lugar, qualquer instância de debates ou de militância- a ser revisionista. Em tempos de lulismo, mais do que nunca Marx deve ser o norte. De resto, nosso trabalho continua. Olhando para o futuro, sendo que, como diz Maiakovsky,

Comunistas nós somos
Porque sondamos do futuro
A noite densa.

A densa noite do bonapartismo também terá seu fim.

3 comentários:

  1. Custei achar o espaço para comentários!

    Mas que belo texto camarada.

    O "Bonapartismo" terá o seu fim. Com toda certeza. Alias tudo tem seu fim,nada é infinito.As coisas só são infinitas devido a ignorância humana.

    Mas o que vem depois? Talvez, o posterior seja o que importa. E para isso precisamos focar no importante. Só que em vez de focar no importante, no futuro, os modernos - pessoas do século XIX estão amarradas pelo presentismo e ignorando único guia que temos: a história.

    Se continuarmos desse jeito saberíamos o que verá depois do lulismo.

    Mas há esperança, pois ela morre depois de nós, quando nosso coração bate, nós ainda temos esperança de ficar vivo. Portanto resta a nossa luta, para chegar, se possível e se nós tivermos força, ao início da história, por que o que estamos é na pré história e que o fim da história é ignorância da própria história.

    Caso não tiveres luta, planejamento e esperança é só buscarmos na história para vermos o que será o posterior do lulismo: é o que veio depois do bonapartismo. Em outras palavras ainda estamos parados e dialética ainda não foi derrotada.

    Vou reproduzi-lo seu texto!

    Saudações comunistas!

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  2. "Alias tudo tem seu fim,nada é infinito": exatamente. Como você disse, a esperança vive; e, mais do que ter esperança, é preciso agir para que nossos anseios se realizem. Esse é o desafio da esquerda.

    Obrigado pelo comentário.

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  3. Amigo, se queres um futuro diferente, d à nova geração uma ideologia. Hoje o q temos são prof. q ou desistiram ou não tem muito a oferecer.
    Outro dia ouvi d um recém-concursado, q "dá aulas d manhã" e trabalha à tarde.
    A continuar como está querido, mudará a sigla mas o fazer será o mesmo.
    Bjs, bom domingo e ótima nova semana.

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