19 de mai. de 2010

Todos os sentidos


1. O que era uma dor forte se transformou num leve incômodo. Correr de jeito nenhum, mas já posso andar sem capengar. Tem algo de ridículo em mancar por aí, mas, pior que isso, é ver como os verdadeiros deficientes sofrem nesse mundo egoísta: degraus altos, escadas inacessíveis – realmente as coisas não são projetadas para os idosos, para os incapacitados. Bem, não estou mancando mais, o corpo se regenera (como tudo vivo) e a vida segue seu ritmo.

Tentei voltar ao muay thai, mas não deu. O joelho (que já era ruim) aguentou só quatro treinos.  Parei mesmo no kruang vermelho-ponta-azul (o kruang é uma faixa amarrada ao braço, um amuleto, entre os lutadores tailandeses, mas que no ocidente é usado como crítério de graduação). O espírito – já tem postagem sobre isso – é invencível, mas a matéria é fraca. Muay thai pra mim, definitivamente, é passado.

2. O escuro tem algo de mágico. Estamos de olhos bem abertos, mas nada vem- só o negrume, como um vazio, como um nada que, na verdade, é repleto de mistério. Afinal, não vemos, mas as coisas estão lá. Elas apenas não aparecem para nós, mas estão lá. Quem disse que as coisas precisam de nós? O escuro tem algo de cósmico. Caminhar às escuras é a sensação que, acredito, tem o meteoro, quando atravessa o breu universal.

3. Centro da cidade, Rua da Carioca, hora da almoço. Levo o doce à boca e a cabeça gira. Literalmente. Leite, açúcar, fogo – e eis uma química de outro mundo. Bem-aventurado quem inventou o pudim de leite.

4. Bach é mais que música. É místico, e isso também tem post. Mas o que ouvi direto, durante uns bons dias graças ao canal de música da Net, foi Chico Buarque. Também de outro mundo, mas brasileiro, portanto mais caseiro, mais doméstico. Como Caetano, que remete a algo que não sei. É assim que a poesia -qualquer poesia, neste caso a musicada- me atinge. Escapa às definições convencionais.

5. O ônibus sobe vagaroso Santa Tereza, aos trancos e barrancos, trepidando entre paralelepípedos e trilhos do bonde. O sono, mas um sono irresistível, me assola. Pasta de advogado como apoio, tento manter os olhos abertos. A carteira e o celular estão guarnecidos, mas dormir em um ônibus lotado pode ser perigoso. Pode-se acordar sem nada. Evito sempre. Mas o sono é tão irresistível, que é difícil não ceder. Vem à cabeça o haikai de Bashô,

Sono no dorso do cavalo
A lua distante num sonho sem fim
Odor de chá fervido.

E mais nada. Durmo também.

*

Entre Matsuo Bashô (1644- 1694) japonês e o muay thai tailandês, acabou sendo um post "oriental". Não seria possível, em todo caso, falar em "sentidos" sem falar do Oriente.

2 comentários:

  1. Olá, Tejo.

    Muito bom!

    “O escuro tem algo de mágico. Estamos de olhos bem abertos, mas nada vem- só o negrume, como um vazio, como um nada que, na verdade, é repleto de mistério (...)”

    Quando cheguei nessa parte tive que parar, ler e reler, depois parar, conceituar minha visão do (no) escuro... Isso é legal, gosto de textos que me leva além...

    Abraços.

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  2. Aliás, o escuro é um injustiçado. Sempre o identifiquei com algo positivo.

    Que nem diz o Gessinger, "toda vez que falta luz/ o invisível nos salta aos olhos".

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