27 de fev. de 2009

Capitalismo e a morte de Mozart

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O espírito humano é indomável- mas está subordinado às condições materiais em voga. Não se trata de diminuir o ser humano, como poderia equivocadamente parecer, mas de compreender que, imersos num mundo material como estamos, não podemos fugir à própria natureza. Para ter condições de filosofar, afinal, é preciso antes de tudo ter condições de vida, ou, simplificando, antes de filosofar é preciso comer. Daí Marx e Engels, no "Ideologia alemã", explicarem: "A vida não é determinada pela consciência, mas esta pela vida", ou, antes: "A produção de idéias, de concepções, de consciência, é a princípio diretamente entrelaçada com a atividade material".


Saint- Exupéry, no "Terra dos homens", narra uma passagem emblemática: em uma viagem de trem, pela Europa, ele observa famílias de imigrantes poloneses. Um casal chama sua atenção: dormem, tendo entre eles uma criança, tão bela que Exupéry enxerga nela "Mozart menino". O menino parece um artista- encontrando condições adequadas, poderia desabrochar suas potencialidades, tal como um novo Mozart. Exupéry faz uma analogia: quando no jardim nasce um flor especial, ela é isolada pelos jardineiros, cuidada com carinho, enfim, recebe condições para que possa se desenvolver. Mas o próprio autor reconhece que "não há jardineiros de homens", para concluir, melancolicamente, que o "Mozart menino" estava condenado. Seguindo o destino de seus pais, encerraria seus dias como os demais operários, jogados à miséria e à ignorância.

3 de fev. de 2009

A dança de Ogum

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Esqueci de escrever isso. No final de dezembro, festa de Iemanjá, grande celebração da cultura brasileira na praia de Copacabana. Ao som de uma curimba, alguns meninos irão dançar representando os Orixás. O ogã cantarola um ponto. O primeiro menino entra solene, sério. Não se dá muito por ele, mas, quando os atabaques despertam, começa a dançar. Aí o mundo se transforma. Já não é um menino de 12 anos, e sim uma força da natureza, é o próprio Orixá que pisa, frenético, na areia de Copacabana. Ogum dança e dança, brandindo a espada, e tudo que há de guerreiro e de bélico no mundo vem num turbilhão à minha mente: Heitor, Aquiles e Ajax, hostes jônicas, dóricos bárbaros, expedições macedônicas, guerras púnicas, legiões romanas, Vercingetorix e Caio Júlio César, cruzados e jihad, tropas napoleônicas.

As forças atávicas da guerra dançam na areia com o Orixá, e ao som dos atabaques emergem espadas e escudos, lanças e gládios, as flechas de Rama, o carro de combate de Arjuna. Vejo o Exército Vermelho de Leon Trotsky, vejo as batalhas indígenas de Cavalo Doido e de Tupac Amaru, vejo Bolívar e Sucre. Vejo os cavaleiros da távola redonda e vejo também as brigadas internacionais na Espanha, e diante deles todos a efígie do marechal Zukhov.

Os atabaques param e o menino readquire a seriedade. Afasta-se do centro da arena de areia, que será ocupada por outro menino representando outro deus. Ogum já dançou, está saciado. Eu, a cabeça ainda girando, em silêncio, por ser tão fraco, peço perdão ao Orixá.