23 de jan. de 2009

Battisti e crimes políticos

Algumas considerações sobre o status de asilado político, concedido a Cesare Battisti pelo governo brasileiro. A Itália tem protestado contra tal medida, sob o argumento de que Battisti foi condenado não pelas suas idéias (era membro de um grupo de esquerda nos anos 70, acusado de terrorismo), mas sim pelos seus atos- foi julgado por assassinato pela Justiça italiana, cometido no período de militância.

O tema aqui tratado é o chamado "crime político", que possui duas espécies. O crime político próprio é o de opinião- aquele que causa ameaça à ordem institucional, ao sistema vigente. O impróprio é aquele que consiste em crime de natureza comum, mas com conotação, com pano de fundo, político/ ideológico. É o caso de assaltar um banco, por exemplo, para obter fundos para determinado grupo político. Ou nas palavras de Delmanto¹: os crimes políticos próprios "somente lesam ou põem em risco a organização política", ao passo que os impróprios "também ofendem outros interesses além da organização política".

Battisti, pois, teria contra si a prática de crime comum (político impróprio), isto é, assassinato, que lhe tiraria o caráter de perseguido político. O artigo XIV, da Declaração Universal dos Direitos Humanos² de 1948, é explícito: "1. Toda pessoa vítima de perseguição tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países. 2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos propósitos ou princípios das Nações Unidas". O grifo é meu.

Pois bem- tendo Battisti sido condenado por crime comum, não seria, à primeira vista, perseguido político, não fazendo jus à concessão de asilo. Mas surge o ponto nodal da questão- o modo pelo qual se deu tal condenação. Como sabemos, além da revelia do julgamento, o magistrado italiano baseou-se em um único testemunho (à base da delação premiada, isto é, através de um delator, um dedo-duro, em troca de benefício), como elemento para condenação. Portanto, além da falta de consistência do julgado, somemos o caráter da luta política de Battisti. Parece claro haver teor persecutório político.

Por fim, em que pese o protesto das autoridades italianas, o asilo é ato soberano do país concedente. Daí dizer José Afonso da Silva³: "Cabe ao Estado asilante a classificação da natureza do delito e dos motivos da perseguição". Assim, todo Estado tem o direito de conceder asilo, de modo que "se trata de assunto interno".


¹ DELMANTO, Celso [et al]. "Código Penal Comentado". p.64. 7.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
² PIOVESAN, Flávia. (coord). "Código de Direito Internacional dos Direitos Humanos Anotado". p.17. São Paulo: DPJ, 2008.
³ SILVA, José Afonso da. "Curso de Direito Constitucional Positivo". p.340. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

> Apenas ouvindo a outra parte se exercita a dialética. Deixe aqui seu comentário, sugestões, críticas.

> Comentários ofensivos ou que não guardem pertinência com o assunto do post serão apagados.

> As opiniões expressas nos comentários são de exclusiva responsabilidade de seus autores, e não expressam a opinião do blog.