7 de ago. de 2010

Alguns poemas preferidos

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Demorei algum tempo até que tivesse saco para ler a "Ode marítima" inteira, de Fernando Pessoa sob o heterônimo Álvaro de Campos. E que coisa. Como alguém pode se lamentar tanto assim de algo que podia, mas nunca lera até então? A "Ode" é fantástica. É comprida -o que explica a falta de saco inicial- mas acaba por prender do início ao fim, e nos sentimos viajando pelos sete mares, sem sequer tirar os pés do cais do porto. Náufragos e ilhas desertas, barris de rum e almirantes, tudo está lá, todas as "coisas navais, velhos brinquedos de sonhos", e, por sobre tudo, Aquela, cujo espírito de bruxa dança, figuradamente, enquanto a carnificina pirata é consumada em alto-mar. Que imagem feminina linda. Cruel e sensual. Vejo então o quanto gosto de mulheres de espírito de bruxa.

Esse cenário marítimo nos leva, com o narrador do poema, ao delírio. Ele sente na carne o que é sofrer, e não só isso, o que é incutir, um ataque pirata. Nessa parte o poema se torna sanguinário e é preciso criar um Deus novo que dê conta disso, não um deus qualquer mas um "Deus dum culto ao contrário". Sentimos, junto com Álvaro de Campos, o que é ser o "pirata-resumo" e a "vítima-síntese", mas só até que o delírio passe: cá estamos de novo, defronte ao cais, olhando, serenos, o navio que se perde no horizonte.

2 de ago. de 2010

Eleições 2010: o PCB e a construção do Poder Popular

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Uma coisa que me incomoda, em época de eleições, é a grande quantidade de pessoas que passam alheias ao momento. São a encarnação do "analfabeto político" de Brecht, aquele que se orgulha de não estar interessado em política, sem saber, estúpido que é, que toda vida em sociedade depende justamente das decisões políticas- do preço do remédio ao da comida.

Somos homens terrenos, situados em um contexto material. Não é preciso negar a espiritualidade ou a religião para compreender esse fato, o da nossa imersão na realidade física. E se estamos situados no aqui e no agora -e não alhures no limbo- é aqui, desde já, que devemos buscar nossa felicidade, e não protelá-la para um futuro nebuloso. A religião que perde isso de vista é a religião criticada por Marx, a do "ópio do povo", o "soluço da criatura oprimida" que se contenta com a flor imaginária, alheio à flor real que quer desabrochar e espalhar seu perfume. A Teologia da Libertação entendeu isso. A libertação, em sentido teológico, não prescinde da libertação material, concreta, do cotidiano.

As eleições, mais precisamente, a importância da participação ativa nas eleições está nesse contexto, o da busca consciente por uma melhor sociedade. É nesse momento, mais do que nunca, que se fala em propostas, que se fala em sugestões, em programas, em rumos para a vida do país- rumos esses que não só nos influenciarão como às gerações seguintes, em maior ou menor escala. Há que se manter alheio a isso? Evidentemente que não.

6 de jul. de 2010

Rumi, Hallaj e a "Verdade"

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A tela do computador substitui, cada vez mais, os livros. É por isso que, acho eu, essa deve ser a segunda ou terceira postagem em que me coloco não de livro na mão, e sim na frente de uma tela de computador. É indiferente, em todo caso: se por um lado tenho o fetiche do "livro", do manuseio do papel, por outro importa é o acesso à cultura. E a internet é pródiga nisso, já falamos sobre na postagem O paradoxo. Onde mais, senão na internet, poderíamos encontrar de forma barata e acessível (basta lançar no Google!) esse vasto material sobre o sufismo?

O sufismo é o lado esotérico ("eso", dentro, interno) do islã.  Reynold Nicholson: "Todo o Sufismo está na crença em que, quando o eu individual se perde, o Eu Universal é encontrado". As opiniões se dividem. Para alguns (os dogmáticos, justamente) o sufismo é parte do islã, é inerente a ele. Querem que o sufismo seja do islã. Já eu digo que também é do islã, mas não exclusivo dele, e Ibn Arabi deixou isso tão claro, mas tão claro, que não vejo sentido em insistir nisso. Para outros, igualmente dogmáticos, por sua vez, o sufismo é mesmo uma heresia- e o ato supremo dessa mentalidade foi o martírio de Mansur al Hallaj, que em seu transe místico ousou dizer Ana al-Haqq ("Sou a Verdade"). Uma blasfêmia, uma apostasia, para o fundamentalista. De um lado e de outro, como se vê, o sufismo é presa do dogma. (O dogma não é assunto novo no blog:  já falamos a respeito aqui). O dogma quer capturá-lo justamente porque o sufismo não fala com o dogma, mas com a poesia.