O assunto é de fácil solução, penso comigo. Mas não digo isso a ele: é preciso valorizar a profissão. Faço umas ponderações, explico superficialmente os meandros jurídicos envolvidos, acerto os honorários -módicos, não sou careiro- e eis-me logo em seguida debruçado sobre a causa. Há urgência: a data pro concurso se aproxima. Quanto tempo, Dr. Joycemar, para obter a liminar no mandado de segurança? Oh, nem uma semana? Coisa corriqueira na Advocacia: às vezes 24 horas decidem tudo. Entrei com a ação. Apesar de sua flagrante ilegalidade, a Administração resistiu obstinadamente: até agravo de instrumento houve. Mas em vão, ganhei tudo. Até que o bom senso imperou (ou as ações começaram a pulular), e o próprio Estado republicou o edital, eliminando o requisito ilegal.
Para que o amigo leitor do blog não fique boiando, eis sucintamente o que houve: o Estado do Rio de Janeiro, ao lançar o edital do concurso para o corpo de bombeiros militar, colocou como a idade máxima os 30 anos. Meu cliente tinha 32 e, portanto, já era "velho" para o certame. Mas várias ponderações podiam ser feitas aí. É certo que a isonomia (igualdade) não é absoluta, mas as hipóteses em que ela é afastada devem ser bem fundamentadas e razoáveis. O cerne é esse. Seria razoável, então, dizer que uma pessoa saudável de 32 anos estaria inválida em relação a uma pessoa de 30? Caso meu cliente tivesse 50, 60 anos, por exemplo, seria razoável não aceitá-lo mais, pois a profissão de bombeiro exige força física e agilidade. Mas, com 32 já seria descartado? Além disso, essa limitação etária não se encontra nem na lei nem na Constituição. Por que o edital (que está subordinado a elas) poderia estipulá-la? Foi com base em argumentos nesse teor que obtivemos a vitória, no processo, até que, como dito, o próprio edital, ainda com a ação em curso, foi remendado excluindo esse requisito.
Meu cliente, desde a concessão da liminar, pôde se inscrever no concurso, fazer a prova e ser aprovado. Com a queda da exigência ilegal, sua situação de consolidou, e ainda hoje é bombeiro. Que profissão difícil. Arrisca-se a vida em prol de outras: em meio a acidentes, mortos, baleados, afogamentos, amputações, atropelamentos, feridos, batidas, fraturas expostas, fogo e desastres, eis lá o bombeiro, eis lá meu cliente, um negro alto, magro e sorridente.
Será que, quando está com a farda, ele ainda sorri? Ou será que se fecha, sombrio, espantado com tanto sangue e tanto desespero? Será que, de volta ao lar, se arrepende da escolha e planeja novos rumos para a vida, ou, ao contrário, agradece diariamente pela oportunidade, pelo sonho de infância realizado?
Quando me sinto desiludido com a Advocacia, quando sinto o desânimo abater, gosto de rememorar esse caso. De certo modo, quando o cliente bombeiro está entre as chamas, ou amparando os feridos, eu estou com ele. De certo modo também sou eu salvando aquela vida, também sou eu socorrendo os feridos, graças à minha atuação de advogado, graças ao meu mandado de segurança exitoso. Daí fico feliz e agradeço à Advocacia, pois graças a ela vidas foram salvas, feridos consolados, graças à liminar que, em poucos dias, precisei despachar.
Amigo, fiquei curiosa sobre qual era o motivo da ação? Pode falar ou é segredo entre adv. e cliente? rs
ResponderExcluirBjs, bom domingo.
Foi o limite de idade: ele tinha 32, e o concurso permitia só até 30.
ResponderExcluirEta profissão nobre! Que orgulho de ser um colega!!
ResponderExcluirBonito ponto de vista. É bom ter algo que nos inspire nos momentos "crise".
ResponderExcluirBeijos!