Das "Notas de um velho safado" (Notes of a Dirty Old Man), gosto em particular de duas, logo no início. Ambas por curiosidade envolvem Jack Kerouac, autor de "On the road", associado à geração beatnik. A primeira tem como personagem Neal Cassady- justamente personagem de "On the road", como o nome "Dean Moriarty". A outra narra um encontro com Kerouac em pessoa.
Uma digressão: o triste em Kerouac é o modo como terminou. Nas palavras de Eduardo Bueno: "Jack Kerouac morreu em outubro de 1969, depois de anos sentado no sofá vendo programas de auditório na TV da casa de sua mãe (com quem morou a vida inteira), barrigudo, alcoólatra e reacionário, afastado de seus companheiros da geração beat, odiando cada cabeludo americano e se perguntando o que, afinal, havia de errado com On the road". Um final triste, como se vê, quase trágico.
O que gosto, no tipo de literatura de Bukowski, é o estilo cru e direto, underground. Não se romanceia muito: é a vida, mais precisamente a vida real, que a literatura "poliana" não mostra. É o caso de Henry Miller: às vezes pervertido, outras imoral. Escatológico também, mas, e essa é a mágica, extremamente lírico. Pura poesia no submundo, em meio a garrafas vazias, ressacas, sexo sujo, imundícies (principalmente no "Trópico de Câncer").
Os trechos de Bukowski que citei têm disso, lirismo em meio ao profano da vida real. A que fala de Neal Cassady, por exemplo. O contraste entre dois momentos do personagem (real) é extremamente rico: canta e dança alucinado, garrafa de cerveja atrás de garrafa. Cheio de vida, orgulhoso do "currículo" ("sou durão, andei pelas prisões"). O impulso suicida é evidente, na cena em que dirige, como um louco. Esse é o primeiro momento. O segundo momento é Cassady morto. A imagem é perturbadora, até para Bukowski, quando recebe a notícia: visualizamos Cassady caído, sozinho, ao longo da trilha do trem, sob a "gélida lua mexicana", em meio aos cactos e lagartos na areia. Sozinho, frisa Bukowski. Tantas viagens e experiências para terminar assim.
A outra nota trata diretamente de Kerouac. É um relato pacífico, quase doméstico. A intimidade entre dois escritores, conversando, folheando álbuns de fotografias. Comentando os retratados. É desse trecho das "Notas..." que retiro uma das minhas falas favoritas, no momento em que os dois são recebidos por Bird: "nove décimos de mim já morreram, mas guardo o décimo restante como uma arma". É a frase de um guerreiro, de um obstinado. De um rebelde. Faço até a confissão pessoal: incorporei essa frase à minha vida, alguns anos atrás, quando tive diagnosticado tumores com possível malignidade. Em um momento de receio quanto ao futuro, essa obstinação era importante para evitar o desespero ou, no mínimo, a depressão. Essa fase foi superada, felizmente, sem maiores contratempos ou complicações.
Bukowski serve também, quem diria, como auto-ajuda.
Em tempo: acho o "Notas..." superior ao "Numa fria" (Hot Water Music).
Os trechos de Bukowski que citei têm disso, lirismo em meio ao profano da vida real. A que fala de Neal Cassady, por exemplo. O contraste entre dois momentos do personagem (real) é extremamente rico: canta e dança alucinado, garrafa de cerveja atrás de garrafa. Cheio de vida, orgulhoso do "currículo" ("sou durão, andei pelas prisões"). O impulso suicida é evidente, na cena em que dirige, como um louco. Esse é o primeiro momento. O segundo momento é Cassady morto. A imagem é perturbadora, até para Bukowski, quando recebe a notícia: visualizamos Cassady caído, sozinho, ao longo da trilha do trem, sob a "gélida lua mexicana", em meio aos cactos e lagartos na areia. Sozinho, frisa Bukowski. Tantas viagens e experiências para terminar assim.
A outra nota trata diretamente de Kerouac. É um relato pacífico, quase doméstico. A intimidade entre dois escritores, conversando, folheando álbuns de fotografias. Comentando os retratados. É desse trecho das "Notas..." que retiro uma das minhas falas favoritas, no momento em que os dois são recebidos por Bird: "nove décimos de mim já morreram, mas guardo o décimo restante como uma arma". É a frase de um guerreiro, de um obstinado. De um rebelde. Faço até a confissão pessoal: incorporei essa frase à minha vida, alguns anos atrás, quando tive diagnosticado tumores com possível malignidade. Em um momento de receio quanto ao futuro, essa obstinação era importante para evitar o desespero ou, no mínimo, a depressão. Essa fase foi superada, felizmente, sem maiores contratempos ou complicações.
Bukowski serve também, quem diria, como auto-ajuda.
Em tempo: acho o "Notas..." superior ao "Numa fria" (Hot Water Music).
Parabéns pelo texto! Adoro Bukowski, dos livros de conto prefiro :"Fabulário geral do delírio cotidiano". Abrax
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